Publicado em 17 Jul. 2022 às 20:09, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia)
A primeira longa metragem da realizadora francesa Céline Dévaux teve estreia nacional em Vila do Conde.
Durante o habitual período de perguntas e respostas após a sessão em que foram apresentadas as curtas metragens de Céline Dévaux, a autora francesa manifestava algum arrependimento sobre a forma como conduziu o último desses trabalhos, "Le Gros Chagrin" de 2017, mais concretamente como lhe deu um tom demasiado depressivo e desprovido de esperança, sem permitir ao espectador abrir um diálogo com o próprio filme.
Este arrependimento parece ter estado presente na mente de Dévaux quando construiu "Toda a Gente Gosta de Jeanne" (Tout le monde aime Jeanne), a sua primeira longa metragem que estreou em solo nacional no Curtas de Vila do Conde, inserida na rubrica New Voices dedicada à cineasta e animadora francesa. De facto, embora ambos os filmes tenham semelhanças temáticas e mesmos estéticas (ambos conjugam acção real com animação), há uma diferença de tom bastante acentuada.
Filmado em Lisboa, o filme acompanha Jeanne (Blanche Gardin), uma jovem parisiense, cujos sérios contratempos a nível profissional e consequente regresso a Lisboa, a levam a confrontar-se de novo com a morte da mãe e com as memórias de infância em Portugal.
Em Lisboa, onde está a esvaziar a casa de infância que precisa de vender, as memórias vão-se sobrepondo e Jeanne afunda-se cada vez mais na sua angústia, entrando num estado depressivo que contrasta com a boa disposição da cidade.
Se estaríamos à partida perante uma história que teria tudo para se manter numa penumbra emocional, a verdade é que Dévaux evita manter Jeanne num processo de autocomiseração, apresentando o monólogo interior de Jeanne através de uma animação que aligeira o ambiente mas sobretudo, através da história que Jeanne vai construindo com as personagens de Jean (Laurent Laffitte) e Vítor (Nuno Lopes).
Para além do fundo cómico explorado durante o filme, há também um simbolismo em cada uma destas personagens no que concerne ao próprio processo mental de Jeanne.
Vítor é uma relação antiga de Jeanne, complicada e seguramente mal resolvida. Uma presença do passado e uma recordação de todas as decisões que levaram Jeanne ao lugar emocional onde se encontra.
Jean, embora tenha frequentado a mesma escola que Jeanne, é uma relação recente e alguém que age de forma errática e por vezes intrusiva e com quem Jeanne tem dificuldades em lidar. Jean, também por ter sobrevivido a uma depressão, simboliza a vida de Jeanne após a doença, a vida nova, nem sempre confortável.
Embora não reinvente a roda, nem a um nível estético, nem na própria construção das personagens, "Tout le monde aime Jeanne" é um filme que cumpre o seu propósito, abordando temas pesados sem se fechar em si mesmo e, acima de tudo, conseguindo desanuviar sem infantilizar. Compensou, a autocrítica de Céline Dévaux.
Distribuído em Portugal por Desforra Apache, ainda sem data de estreia comercial definida.