Publicado em 12 Jul. 2022 às 13:34, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia)
Tempo ainda para ver os filmes de Carlos Lobo e Radu Jude e mergulhar numa colónia de leões marinhos.
Ao terceiro dia do Curtas 2022, para além do arranque da Competição Experimental e da primeira sessão dedicada ao centenário do cineasta leiriense António Campos, o destaque vai para a segunda sessão da Competição Internacional de Curtas e para a estreia nacional de "O Joelho de Ahed", o filme de Nadav Lapid que dividiu prémio do júri com "Memoria" de Apichatpong Weerasethakul em Cannes 2021.
Depois de um início morno com "Aos Dezasseis" de Carlos Lobo e com "Potemkinistii" de Radu Jude ("uma piada longa e demasiado elaborada", nas palavras do cineasta romeno), a segunda sessão da Competição Internacional ganhou novo fôlego com "Garrano" de Vasco Sá e David Doutel.
Estabelecendo um diálogo entre duas formas distintas de indomabilidade, o fogo e o cavalo garrano (espécie equestre que habita de forma semi-selvagem o norte da Península), "Garrano" é um filme de animação que acompanha Joel, um jovem rapaz que testemunhará a força crua de ambos os elementos.
A fechar a sessão, "Haulout", um trabalho de Evgenia Arbugaeva e Maxim Arbugaev, cuja câmara acompanha o biólogo marinho Maxim Chakilev enquanto este estuda o fenómeno de migração (ou "arrasto") das morsas numa zona remota da Sibéria. De cariz ambientalista, vale pela forma como mostra a força dos elementos e pelo insólito de nos colocar no centro de uma colónia de leões marinhos.
A fechar o dia, a expectativa em torno de "O Joelho de Ahed", de Nadav Lapid, pareceu arrefecer com o adiantado da hora da sessão. Os resistentes puderam presenciar um filme em que Lapid apresenta Y, realizador de cinema, possível alter-ego do próprio Lapid, que vive um processo interno de lenta agonia provocado pelo esmagamento institucional que sente no seu processo criativo, agudizado pela perspectiva de perder a mãe para um cancro.
Claire e o seu joelho simbolizavam, para o protagonista do filme de Rohmer, a fantasia suprema, o inalcançável. Para Y a quimera é Ahed (de Ahed Tamimi, a adolescente palestiniana detida pelas autoridades israelitas por esbofetear um soldado) e a ideia de ver o seu joelho agredido, que Y extrapola para uma fantasia do nacionalismo israelita em relação a Ahed.
O mais interessante do filme de Lapid é que evita mostrar-nos Y como um moralista, ou um herói de alguma espécie. Mesmo a definição de anti-herói não será a mais rigorosa. Y utiliza formas aleivosas e desleais para denunciar a hipocrisia do sistema, a censura institucional sob o pretexto do dever patriótico, não se coibindo de abusar da boa vontade de uma funcionária do Estado para sua própria expiação. No entanto, embora sólido e com um bom elenco, o filme não parece funcionar em todas as dimensões a que se propõe. Talvez o exemplo mais paradigmático seja o final escolhido, o derrube emocional de Y, demasiado precipitado e hollywoodesco.