Publicado em 25 Jun. 2020 às 17:21, por Samuel Andrade, em Opinião (Temas: Síndrome do Vinagre)
Um olhar pelos finalistas do peculiar concurso de curtas-metragens no formato super 8mm em que os realizadores só vêem os filmes no dia em que são exibidos ao público.
No ano em que o Festival de Cannes se viu forçado a alterar todas as suas dinâmicas de programação e exibição, é (ainda mais) de saudar a possibilidade de algumas das suas competições estarem a conseguir desenvolver e mostrar a sua atividade.
Um bom exemplo disso, no seio do Festival de Cannes, é a iniciativa Straight 8, um concurso de cariz não competitivo, de participação global e com um regulamento simples, mas muito específico.
Os candidatos têm de fazer um filme limitado à duração de um único cartucho de película super 8 – pouco mais de três minutos –, sendo a única montagem permitida a que é assegurada "in camera" (isto é, rodando cada cena cronologicamente, pela ordem final em que serão exibidas) e sem recurso a qualquer tipo de ferramenta de pós-produção. O filme é submetido à organização, juntamente com uma proposta de banda sonora, sem estar revelado.
Após este processo, um júri escolhe oito projetos finalistas, os quais são exibidos – tanto para o público como para os próprios autores de cada filme – pela primeira vez durante o Festival de Cannes.
Para a edição 2020, devido às condicionantes da Covid-19, o Straight 8 conheceu estreia mundial na internet, e o Síndrome do Vinagre não poderia faltar a esse "evento". De facto, os oito filmes – escolhidos por um júri composto por nomes como Asif Kapadia (o realizador dos documentários "Senna" e "Amy"), Robbie Ryan (o diretor de fotografia de "A Favorita" e "Marriage Story"), ou Jo Duncombe (curadora e programadora do British Film Council) – não só demonstram o potencial estético do super 8 enquanto suporte fílmico, como também evidenciam liberdade cinematográfica e temática em apenas três minutos e vinte segundos.
Assim, partilhamos abaixo a nossa impressão sobre os oito projetos selecionados, assim como o vídeo, disponível no canal de YouTube do Straight 8, onde os filmes podem ser vistos, juntamente com breves making of e depoimentos dos intervenientes.
Rodado em stop motion, esta curta-metragem encapsula, de forma espirituosa, o tédio de um quotidiano de 24h em apenas 3 minutos de película super 8.
Filme de animação, com recurso à montagem de desenhos produzidos em papel, revela-nos um protagonista com a "imaginação à solta" durante uma viagem pelo Metro de Londres.
No último dia antes do Brexit, um "marreta" narra, num tom absurdo, satírico e anarquista, as consequências daquele referendo, ao mesmo tempo que se dedica a brincar com uma câmara Super 8 antes de "toda a miséria chegar".
Em ambiente de fantasia, somos apresentados a uma menina mimada e com propensão para a birra, uma pequena ditadora capaz de dominar, literalmente, todos os movimentos dos restantes membros do seu agregado familiar.
Os motivos e argumentos de uma discussão matrimonial são revelados num stop motion carregado de humor e surrealismo (este é, aliás, o meu preferido entre os oito finalistas), através de um estilo cinematográfico que lembra as obras do consagrado realizador Jan Švankmajer.
Um retrato íntimo e poético de Christopher Hughes, diretor de fotografia britânico. Da sua experiência de trabalhar com a película, às paisagens que mais admira e sem esquecer colegas e amigos, esta é uma homenagem tanto ao modo como a luz é impressa no celuloide, como ao poder da arte de "comunicar as coisas para as quais não encontramos palavras".
Fábula sobre conflito doméstico, realçando a necessidade humana de fugir à realidade independentemente da idade de cada um. Provavelmente, a proposta mais terna entre os projetos finalistas.
História de ficção-científica, repleta de práticos e económicos efeitos visuais, é, de todas as curtas-metragens, a que mais investe numa narrativa com princípio e fim. Destaque para o seu twist final, a antever uma mensagem pacifista e de respeito pelo ambiente.
Para além destes oito filmes, o Straight 8 promove, já nesta sexta-feira e a partir das 20h, mais uma sessão online, desta vez dedicada a títulos não selecionados, mas cujo trabalho de produção em super 8 merece reconhecimento. Entre estes, uma proposta portuguesa: "Hunting Day", de Alberto Seixas, que terá, assim, a sua estreia mundial, numa das edições mais "atípicas" em toda a história do Festival de Cannes.