Publicado em 28 Ago. 2020 às 21:48, por Samuel Andrade, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: Síndrome do Vinagre)
Breves comentários sobre o terceiro dia da programação em streaming do festival do cinema restaurado.
De forma semelhante ao que aconteceu ontem, o terceiro dia do Il Cinema Ritrovato online foi, definitivamente, marcado por mais um belo exemplar de screwball comedy. "Não Sou Um Anjo" (no original, "I'm No Angel"), realizado em 1933 por Wesley Ruggles é, muito possivelmente, um dos títulos mais famosos da chamada era Pre-Code, ou seja, o cinema norte-americano produzido antes do Código Hays que regulou a moral e os bons costumes em Hollywood até 1968.
(Mae West no palco, em "Não Sou Um Anjo")
Aliás, conforme indicam alguns historiadores, foi precisamente o protagonismo, neste filme, da atriz Mae West - sex symbol dos anos 30, com a sua atitude provocadora, guarda-roupa sugestivo e diálogos repletos de duplos sentidos - que levou à implementação daquelas normas de conduta moral.
Passados 90 anos, certo é que "Não Sou Um Anjo", a história de uma cantora circense determinada em agarrar um marido rico entre a elite de Nova Iorque, mantém intacta toda a sua "imoralidade", e o espírito "espalha-brasas" de Mae West parece não ter envelhecido um ano que seja. Para tal, muito contribui o seu restauro em resolução 4K, concluído este ano pela Universal e a The Film Foundation, onde se destaca a preservação do som, registado em Vitaphone, pautado por alguns dos temas musicais mais populares de Mae West.
(Muhammad Ali em "When We Were Kings")
Das propostas online para o terceiro dia do Il Cinema Ritrovato, foi momento alto a visualização do recente restauro de "When We Were Kings". Vencedor do Oscar para Melhor Documentário em 1997, o filme detalha, maioritariamente a partir de imagens de arquivo, aquele que é considerado por muitos como o combate de boxe do Século XX: o "Rumble in the Jungle", que colocou frente a frente, em 1974, na cidade de Kinshasa, Muhammad Ali e o então imbatível campeão do mundo George Foreman.
Centrado na figura histriónica de Muhammad Ali, nos seus maneirismos e permanentes palavras de autoconfiança, "When We Were Kings" aborda, também, o próprio contexto político do Zaire (hoje, República Democrática do Congo) daquela época e descortina alguns episódios de um concerto musical, organizado à margem do embate, onde atuaram nomes como James Brown e B.B. King.
No restauro deste documentário, pela Criterion Collection, é de sublinhar o seu aprimorado trabalho de imagem, com a qualidade de imagem do "combate do século", trazida a partir de diversos tipos de película de 16mm, mantida de modo imaculado.
("Piccola arena Casartelli", de Aglauco Casadio)
Paralelamente, surgiu ainda a possibilidade de observar duas singelas curtas-metragens, ambas restauradas pela Cineteca di Bologna a partir dos seus negativos originais, que abordam os prós e contras de quem faz do espetáculo a sua vida e principal meio de sustento: "Piccola arena Casartelli" (1960, de Aglauco Casadio), faz o retrato dos Casartelli, família de acrobatas de circo, toldada por uma tragédia recente, revelando pequenos pormenores dignos do cinema de Federico Fellini; e o muito divertido "Osiride" (1966, de Marcello Baldi), sobre Osiride Pevarello, um ator italiano quase desconhecido, que entrou em mais 100 filmes – na maioria, como figurante ou duplo em sequências arriscadas – e nunca se desfez da sua pequena roulotte, onde residia com a esposa e cinco filhos.