Publicado em 7 Abr. 2020 às 11:44, por Samuel Andrade, em Notícias de cinema (Temas: Indústria cinematográfica, COVID-19, Box office)
À semelhança de outros setores, o cinema também sofreu o forte impacto causado pelo surto do COVID-19. Mas existem sinais de esperança de que a indústria da exibição em sala poderá reerguer-se, mais uma vez.
Em poucas semanas, com estados de emergência, autorizações de teletrabalho e ordens de confinamento em casa decretados por governos de todo o mundo, assistiu-se a uma paralisação da indústria cinematográfica: as salas de cinema, gradualmente, foram encerrando as portas ao público ; os festivais de cinema cancelaram, ou reagendaram os eventos programados para este ano (no mínimo, alguns anunciaram versões online); e os estúdios de Hollywood decidiram a suspensão de produções em curso, e pelo adiamento de títulos agendados para os próximos meses de 2020.
Consequentemente, as receitas de bilheteira nas últimas semanas de março caíram de tal forma que majors como a Walt Disney e a Universal Pictures, pararam de reportar números de box office como resposta ao "pior fim-de-semana de há mais de 20 anos".
Em sentido oposto, e dado o isolamento social potenciado pelas medidas de mitigação do COVID-19, as plataformas de streaming, on demand e canais online de vídeo conheceram um notório, mas previsível, incremento de popularidade. Aproveitando essa dinâmica, a própria indústria não demorou em reagir, antecipando o lançamento, nos mercados de home media e streaming, de títulos ("Frozen 2: O Reino do Gelo", "O Homem Invisível", "Emma", entre outros) que há pouco tempo tinham estreado em sala.
Tendo em conta o panorama, onde o streaming e o "cinema em casa" estão a substituir o acto de ver um filme em grande ecrã, qual o futuro do cinema em sala – seja ele nos circuitos comerciais, ou em contexto de festival – depois do COVID-19? Mesmo com a grave crise económico-financeira que se perspetiva, existem indicadores que apontam para a possibilidade de um regresso à normalidade (isto é, do cinema em sala) menos doloroso do que se possa prever.
Os primeiros indícios, conforme noticiado nos últimos dias, chegam da China. Depois de uma tímida e mal sucedida tentativa de reabertura das salas, os responsáveis culturais e da indústria cinematográfica daquele país anunciaram o reinício de algumas produções, nomeadamente do novo filme do realizador Zhang Yimou, "Impasse". Um facto animador, sobretudo se tivermos em conta que a China, há poucas semanas, encontrava-se profundamente paralisada.
Outro dado essencial, revelador do otimismo que aparenta existir no seio da indústria, reside no próprio planeamento de estreias, anunciado e determinado em função da crise do COVID-19.
Se o adiamento da estreia comercial de títulos como "Wonder Woman 1984" (para 13 de agosto), "007: Sem Tempo Para Morrer" (12 de novembro), ou "Top Gun: Maverick" (para dezembro deste ano), se constituem como reações lógicas ao fecho das salas, já a presença em junho e julho, de grandes produções como "Tenet", de Christopher Nolan, "Soul – Uma Aventura com Alma", da Pixar, ou "Mulan", da Disney, revela forte convicção de que será possível a reabertura das salas no próximo verão. Do ponto de vista puramente estético, também não se pode descurar a campanha de marketing de muitos destes filmes, os quais prometem melhor experiência cinéfila através de grandes formatos de projeção – leia-se, IMAX.
Mais previsível será o debate que, nos próximos tempos, se realizará entre a distribuição de cinema em sala versus as plataformas de streaming. Este "confronto tecnológico" (tal como o que se assiste entre o analógico e o digital há mais de uma década) poderá saldar-se na conclusão de que ambas as formas de distribuição e exibição cinematográficas poderão, e deverão, coexistir pacificamente.
Sobretudo pelo facto de que, depois do COVID-19, se abrirão novos horizontes criativos (algumas opiniões, veiculadas em fóruns online, já vaticinam que o disaster movie irá conhecer renovado sentido e apelo populares) e haverá a recuperação de perspetivas históricas sobre como o cinema em sala, no século passado, conseguiu sobreviver a guerras mundiais, crises financeiras e, sim, pandemias como a da gripe pneumónica, em 1918.
Um estudo recente, divulgado pela norte-americana Performance Research e destacado pela Variety, indica que alguns hábitos de consumo de cinema irão manter-se inalterados. Apesar de, no geral, ser notório o receio de visitar um multiplex após o surto do COVID-19, 58% dos inquiridos expressou, por sua vez, que continuará a ir ver filmes em sala, num resultado que, durante as próximas semanas, poderá sofrer uma significativa e otimista evolução.
Resultados similares teve um inquérito feito em França onde "ir ver um filme no cinema foi a segunda atividade mais votada" de entre uma lista de coisas a fazer após o fim do confinamento. O estudo de mercado da Vertigo Research colocou a questão na última semana de março a uma amostra de mil pessoas representativas da população francesa com 15 anos ou mais.
Mas se a vontade do cidadão comum em regressar à vida normal, conforme registado nos meios de comunicação e nas redes sociais, é, de facto, tão expressiva, então o escapismo proporcionado por uma prática ida ao cinema poderá, igualmente, ser firme atenuante para esquecer os dias de confinamento e isolamento social. Assim, e depois do COVID-19, o cinema em sala poder não apenas continuar a ser um hábito da nossa sociedade como tem todo o potencial para ganhar novos contornos e novas dinâmicas.