Publicado em 8 Mar. 2024 às 21:01, por Samuel Andrade, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: Síndrome do Vinagre, Oscars)
Será a 96.ª cerimónia dos prémios da Academia o indício de uma indústria rendida à película?
Digamo-lo de chofre: os prémios da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA, vulgo Óscares, são apenas um espectáculo e as estatuetas um modo de auto-agraciação da indústria. Em sentido crescente nas décadas recentes, a (ir)relevância na atribuição desse subjetivo estatuto de "melhor filme" só torna paradoxal todo o mediatismo em torno deste certame.
Mesmo assim, no seio da afeição popular pelo Óscar, é sempre possível descortinar específicos fenómenos e tendências, mais ou menos evidentes, dignos de análise por partes interessadas. E, no Síndrome do Vinagre, não nos passou despercebido o facto da 96.ª entrega de prémios da academia, no próximo domingo, ser das mais analógicas a que assistimos nos últimos anos.
Impera desde logo destacar que, dos 10 nomeados para Melhor Filme, cinco foram inteira ou parcialmente rodados em película – a saber, "Assassinos da Lua das Flores", "Maestro", "Oppenheimer", "Vidas Passadas" e "Pobres Criaturas". Literalmente, metade dos candidatos possuem produção analógica.
Estendendo essa lógica a todas as categorias "a concurso", verifica-se uma substancial distribuição de nomeações, isto é, "Assassinos da Lua das Flores" (11 nomeações), "Maestro" (7), "Oppenheimer" (13), "Vidas Passadas" (2) e "Pobres Criaturas" (13), num total de 46 nomeações. O somatório sobe para 47 por mérito de Wes Anderson e do seu "The Wonderful Story of Henry Sugar", na corrida pelo Oscar de Melhor Curta-Metragem.
Esta matemática não será indício duma indústria a render-se aos suportes analógicos de produção. Mesmo perante números animadores recentes, dificilmente haverá um retorno tecnológico no cinema contemporâneo. Muito provavelmente, assistimos, apenas, ao corolário de um ano em que títulos realizados por fiéis da película (Nolan, Lanthimos, Scorsese) conheceram afeto mediático e, só após a estreia dos novos filmes de outros habituées da materialidade fílmica (Paul Thomas Anderson, Luca Guadagnino, Adam Wingard, Jeff Nichols, provavelmente Quentin Tarantino...), se poderá avaliar se estamos, ou não, perante algo aproximado a uma tendência.
No entanto, é verdade que há muito uma cerimónia dos Oscars não tinha "sabor" tão analógico. A jusante do número de nomeações, repare-se como dos cinco nomeados para Melhor Fotografia (categoria técnica diretamente ligada a esta matéria), quatro são de rodagens em película. E com o favoritismo de "Oppenheimer" a perspetivar um "vencedor analógico" na noite de 10 de para 11 de março – é preciso recuar a 2013, e à consagração de "12 Anos Escravo", para encontrar cenário semelhante –, temos, portanto, um interessante vislumbre para o estado dos atuais modelos de produção da própria indústria cinematográfica.
"And the winner is"... definitivamente, o cinema analógico.