Publicado em 7 Jun. 2021 às 15:02, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia, Cinema Europeu)
Os dois últimos filmes do cineasta dinamarquês "A Comuna" e "Druk - Mais Uma Rodada" parecem seguir uma fórmula semelhante, mas com resultados diversos.
Thomas Vinterberg saiu agraciado com o Oscar de melhor filme estrangeiro na última edição dos prémios da Academia norte-americana com "Druk - Mais uma rodada". Para além do óbvio reconhecimento que o prémio significa, o impacto do filme no mainstream norte-americano foi importante ao ponto de surgirem notícias de um remake em língua inglesa com Leonardo DiCaprio como protagonista. Escusando-me a entrar na estéril discussão da utilidade de um remake, para mais num filme tão recente, proponho antes enquadrar esta última obra de Vinterberg com outro dos seus filmes mais recentes, "Kollektivet" ("A Comuna", em português), de 2016.
Vinterberg é, com Lars von Trier, um dos coautores do manifesto Dogma 95, movimento que pretendia resgatar a simplicidade de uma forma de arte cada vez mais refém da espectacularidade da tecnologia e dos efeitos especiais. O cineasta enquanto artista, o filme movido pela arte e não pelos critérios de negócio dos estúdios, espaço ao argumento e aos actores.
É bastante discutível que o movimento tenha, de alguma forma, tido um impacto real, a uma escala global, no que se fez posteriormente, já que os pontos que o manifesto tocava pareciam estar já salvaguardados por outras "escolas" de Cinema, como a francesa ou a italiana, às quais a passagem do furacão Dogma 95 foi, mais ou menos, inconsequente. É, no entanto, inegável que o movimento teve mediatismo e produziu resultados materializados no aclamado "Festen", do próprio Vinterberg, ou "Idioterne", de Von Trier. O cinema escandinavo tornou-se alvo de curiosidade e o Dogma criou discípulos. Quanto a Vinterberg, soube existir para lá do Dogma e ganhou novo fôlego em 2012 com o óptimo "Jagten" (A Caça), na sua primeira colaboração com o actor Mads Mikkelsen, e em 2016 com "Kollektivet".
É precisamente em "Kollektivet" que Vinterberg parece começar a aplicar uma fórmula qua usaria também em "Druk". Neste último, Mads Mikkelsen é Martin, um professor de liceu com todos os sintomas de estar nos primeiros estágios de uma depressão. Numa reunião de Martin e mais três amigos, todos eles colegas de profissão e de liceu, o grupo discute a teoria de um psiquiatra norueguês que afirma que um estado de pré-embriaguez ajuda a libertar a criatividade e a tornar-nos mais relaxados e, consequentemente, mais funcionais. Desesperado por um escape, o grupo decide comprovar a teoria em segredo escusando-se moralmente com a convicção de que estão apenas a levar a cabo uma experiência científica.
Em "Kollektivet" o protagonista é Erik, também professor, universitário neste caso, na mesma faixa etária de Martin e também em óbvia crise de identidade. Motivado pela sua companheira Anna, decide que a solução para o laconismo em que se move é mudar-se para a casa com que sempre sonhou, mesmo que isso implique partilhá-la com mais quatro adultos, em comunidade.
Talvez a grande diferença entre os protagonistas é que Martin apresenta-se como homem superado pelas circunstâncias e disposto a aceita o refúgio que lhe é proposto, enquanto Erik escolhe a fuga para a frente para sair do seu marasmo.
Em ambos os filmes, a narrativa avança de forma quase paralela. Inicialmente, há uma proposta sociológica de Vinterberg que, de seguida, se dedica a decompô-la em vários estádios, como se de um luto se tratasse. Uma primeira fase de positivismo e quasi-comédia dá lugar aos primeiros sinais de desconforto. A tensão de uma relação que se rompe e de um novo elemento na comunidade em "Kollektivet", um tecido familiar que se degrada lentamente em "Druk". Em ambos, uma tragédia que volta a colocar tudo em perspectiva e apazigua as tensões.
Poderíamos pensar que a fórmula sugerida por Vinterberg em "Kollektivet" seria aperfeiçoada até chegar a "Druk", mas estranhamente parece haver uma regressão de um filme para o outro. "Druk" cai em alguns facilitismos, nomeadamente na forma como trata as personagens secundárias. Todas elas são, de alguma forma, caricaturadas ou, mais precisamente, colocadas em situações caricaturáveis.
A cena do aluno a beber durante o exame oral, motivado pelo professor para ter melhor desempenho, é de um absurdo que nem num remake de "American Pie" seria credível. O retrato das personagens femininas e a sua relação com os protagonistas é perfeitamente unidimensional. As esposas são apresentadas como as adultas resmungonas e os homens infantilizados, a beber às escondidas. No fundo, tudo o que escapa às lutas interiores de Martin cai num certo facilitismo e fica a ideia de que Vinterberg não quis desviar-se do foco e optou não complicar demasiado.
Em "Kollektivet", Vinterberg não faz as mesmas escolhas. É certo que há personagens secundárias com mais ou menos profundidade, mas a forma como a degradação das relações é retratada revela muito mais maturidade e, porque não, credibilidade. Ajuda bastante o excelente desempenho de Trine Dyrholm nas cenas em que retrata o colapso de Anna, a companheira de Erik.
Talvez Vinterberg, ao idealizar "Druk", tenha decidido reinventar a fórmula descomplicando a densidade que aplicou em "Kollektivet". Neste, Vinterberg conseguiu construir um retrato dos conflitos sociais e humanos, condensados num pequeno ecossistema, veiculando este mesmo confronto nas personagens de Anna e Erik, com a indispensável presença das personagens secundárias. Em "Druk" o suporte emocional do filme está centrado no protagonista e fica a ideia que Vinterberg optou por simplificar a paisagem em redor de Martin. Ainda que o sucesso do filme lhe dê razão, não deixa de parecer uma opção paternalista. Não estou seguro de que tenha valido a pena.