Publicado em 2 Jan. 2023 às 20:35, por Inês Moreira Santos, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: Travelling)
A viagem do realizador de "Ex Machina" pelos terrenos do folk terror cai por terra graças à falta de subtileza e aos arremessos de machismo.
Depois de "Ex Machina" e "Aniquilação", o prometedor Alex Garland vem gorar as expectativas que recaíam sobre ele com este "Men". Ambicioso e com anseios feministas a todo o custo, falta-lhe subtileza e, principalmente, respeito pela mulher.
Com uma primeira metade desafiante e cheia de suspense e mistério, nada faria prever que caísse tudo por terra, num desenlace tão evidentemente machista.
O filme gira em torno de Harper (interpretada por Jesse Buckley), uma mulher que sofreu a perda recente do marido de quem se estava a divorciar na sequência de uma relação abusiva. Para superar os traumas, a jovem arrenda de campo onde planeia passar uma temporada.
Os alarmes soam desde o momento em que Harper apanha e come uma maçã no jardim da casa que alugou, qual Eva pecadora.
Numa vila de homens todos com o mesmo rosto, onde não se vislumbram mulheres, passado e presente atormentam e perseguem Harper, sem lugar seguro onde se esconder.
O refúgio depressa se transforma na toca do lobo. Alex Garland poderia querer construir um "revenge movie", com uma mulher aparentemente frágil que enfrentasse as personagens que povoam os seus pesadelos, mas consegue apenas criar uma sequência repetitiva de degradação psicológica da protagonista.
Usando a câmara lenta vezes sem conta e captando bonitos planos campestres (que, visualmente, lembram "Aniquilação"), o realizador e argumentista constrói um folk horror decrépito, onde nem o ambiente bucólico, ou a casa de paredes vermelhas, conseguem elevar a fasquia.
Mesmo que não seja intencional, há um julgamento constante em "Men", desde a primeira dentada no fruto proibido, passando pela violência doméstica, o stalking, o sermão do vigário local, ou a constante desvalorização das queixas de Harper por parte das autoridades.
Garland toca em temas sensíveis da feminilidade (como o parto, ou a fertilidade), apresentando-os como um espectáculo de horrores, sem propósito, para atingir um clímax que já fora desfeito meia hora antes.
Após interpretar uma mulher emancipada em "A Filha Perdida", Jessie Buckley não merecia protagonizar esta degradação do feminismo.
A Inês Moreira Santos colabora com o filmSPOT na coluna de crítica e opinião "Travelling" e pode ser lida no blogue Hoje Vi(vi) Um Filme.