Publicado em 3 Ago. 2022 às 15:41, por Pedro Sesinando, em Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia, Festivais de cinema)
Notas iniciais sobre os filmes da edição 2022 do Festival Internacional de Documentário de Melgaço.
Se nas palavras iniciais de Sérgio Tréfaut enquanto narrador de "Paraíso" poderíamos intuir que esta seria uma obra de recuperação da memória do próprio realizador relativamente ao país onde nasceu e passou a infância, cedo vemos que o filme ultrapassa essa fronteira da mera reminiscência.
Tréfaut monta o teatro nos jardins do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, onde, no período pré-pandemia, se juntava um grupo de septuagenários, homens e mulheres, cantores e músicos amadores, num fenómeno orgânico que resulta da comunhão assente na música popular brasileira, nos sambas de Pixinguinha ou Cartola, entre outros.
A realização dá espaço aos protagonistas, deixando as actuações correr na sua espontaneidade, desde o momento inicial em que o músico e cantor procuram o tom até à saudação efusiva do público.
Cabia a Tréfaut mostrar sem intervir, e fê-lo das melhores das formas, sem procurar comover-nos e, ao mesmo tempo, não o evitando. Se num primeiro olhar poderíamos estar aqui perante um conto melodramático de como viver a solidão na terceira idade, o filme mostra-nos bem para lá disso. A força da comunidade, a música como instrumento de preservação da memória e as pessoas como veículo de cultura. As serenatas do Catete eram, são, um acto de resistência.
O segundo dia do MDOC (3 de agosto) traz a estreia nacional do documentário de Kirsten Gainet, "Tomorrow Comes Yesterday".
Gainet acompanha algumas famílias pertencentes à comunidade tártara da Crimeia, uma minoria étnica de credo muçulmano indígena à Crimeia, após a anexação pela Federação Russa em 2014.
Em comum nestas famílias o facto de terem os seus homens adultos na prisão, sob a acusação de pertencerem, ou de alguma forma estarem envolvidos com um grupo terrorista, o Hizb ut-Tahrir.
O documentário foca-se menos no julgamento e mais no quotidiano das famílias e como este foi afectado pelos raids e pelas detenções.
Embora talvez falhando na contextualização da situação política, antes e depois da anexação, o filme tem o mérito de apontar o holofote para uma comunidade esquecida que há séculos vive em autopreservação, distribuída por vários territórios do Leste da Europa e Turquia e de nos dar um pequeno apontamento sobre as complexidades do panorama étnico que caracteriza aquela região.