Publicado em 11 Jul. 2022 às 13:45, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia)
Segundo dia de festival com um par de filmes portugueses, a carta branca de Marie Losier e a retrospetiva François Reichenbach.
Após um primeiro dia marcado pela estreia "Alcarrás" de Carla Simón na sessão de Abertura, a 30.ª edição do Festival de Internacional de Curtas de Vila do Conde proporcionou ontem, domingo, um dia com muita e variada oferta de Cinema. Desde logo, na primeira sessão da Competição Internacional, destaque para duas coproduções nacionais, "Ice Merchants" de João Gonzalez e "Saturno" de Luís Costa e André Guiomar.
A animação "Ice Merchants", remete para o universo de Sylvain Chomet, quer pelo mutismo das personagens, quer pelo tom melancólico que percorre toda a acção. Fundamental a sonoplastia na criação do ambiente que envolve as personagens. Um filme enternecedor e com um final surpreendente.
"Saturno" é uma sobreposição de retratos naturalistas preenchidos pela silenciosa mas imponente presença de Joaquim Castro, o "Caveirinha", protagonista desta história que invade o lar de uma família modesta num violento processo de luto. Uma proposta visualmente muito forte de Luís Costa e André Guiomar.
Domingo foi também o dia de estreia da rubrica "Carte Blanche", com curadoria de Marie Losier que, para além de uma reinterpretação de um Bergman medíocre (palavras da própria e seguramente suportadas pelo próprio Bergman sobre o filme "The Touch"), apresentou o seu documentário "Felix in Wonderland" dedicado ao músico alemão Felix Kubin. Kubin passeia-nos pela sua psique, pelo processo de composição e pela busca e recolha incessante de novos sons, uma espécie de Michel Giacometti do ruído urbano movido pela beleza do dissonante.
"Suite Mexicaine", de François Reichenbach
Em parceria com a Casa do Cinema Manoel de Oliveira, o Curtas apresenta também uma retrospectiva dedicada a François Reichenbach, justamente adjectivado de "cineasta indiscreto" durante a apresentação da sessão que ontem teve lugar.
Pela Sala 2 do Teatro Municipal passaram dois documentários de Reichenbach, "Portrait : Orson Welles" e "Suite Mexicaine".
O mote para "Suite Mexicaine" é dado por Francisco Benites na primeira das várias intervenções de intelectuais e artistas mexicanos que veremos durante o filme e em que Benites se refere ao balanço entre o sagrado e o profano como uma constante e essencial para se entender a sociedade mexicana.
Pontuado por imagens de carácter etnográfico recolhidas por Reichenbach durante os vinte anos que viveu no México, desfilam nomes como Rufino Tamayo, Alejandro Jodorowsky, ou Octavio Paz, que reflexionam sobre a ideia do México como berço natural do surrealismo e fundamental para a obra de nomes como Magritte, Wilfredo Lam ou Roberto Matta.
Afinal, como a dada altura afirma Jodorowsky e que aqui deixo em citação livre, o surrealismo não existe, mas alguém teve o senso de dar nome a uma actividade perfeitamente normal ao ser humano. O próprio Jodorowsky remataria : "É a vida ao serviço da imaginação".