Publicado em 16 Mar. 2021 às 09:52, por António Quintas, em Notícias de cinema (Temas: Temporada de prémios, Indústria cinematográfica, Cinema Norte-Americano)
Primeiro foi o escândalo. De repente, a indústria norte-americana do entretenimento descobriu que, desde 2002, não existe um único jornalista de ascendência africana entre os perto de 90 elementos que compõe a Hollywood Foreign Press Association (HFPA), a associação de imprensa estrangeira baseada na área de Los Angeles que, anualmente, organiza a entrega dos prémios de cinema com maior cobertura mediática a seguir aos Óscares.
À composição do restrito grupo que elege os nomeados e vencedores de tão importante evento foi também atribuída a culpa pela falta de diversidade nas escolhas que surgiram nos Globos de Ouro deste ano.
A HFPA reagiu ao enxovalho com a promessa pública de melhorar, mas os grupos de pressão no interior da indústria não ficaram satisfeitos. Após outra onda de críticas, nas redes sociais e na imprensa do setor, foi a vez das agências de representação e relações públicas exercerem a sua forte influência através de um aviso formal de que esperam ver mudanças rápidas e efetivas. Caso isso não se verifique, tencionam recomendar que os seus clientes deixem de participar em conferências de imprensa e entrevistas organizadas pela HFPA.
Uma fonte do setor citada pelo Variety coloca a questão em termos práticos:
Se os nossos clientes recusarem trabalhar com eles, a HFPA deixa de existir. E Sem HFPA não há Globos de Ouro.
Outro grave problema para os organizadores dos Globos de Ouro reside no apoio da NBC a estas reivindicações. O canal produz e transmite a gala de entrega destes prémios através da Dick Clark Productions.
A HFPA é alvo regular de críticas à falta de transparência do seu funcionamento, às barreiras colocadas à inscrição de novos jornalistas, à composição da lista de membros e aos critérios de nomeação e atribuição dos Globos de Ouro.
Uma investigação publicada a 26 de fevereiro pelo Los Angeles Times, em grande parte responsável por iniciar este protesto, fala de membros da associação com mais de 90 anos, de outros que há anos não têm trabalho jornalístico publicado, e de esquemas financeiros envolvendo atividades da HFPA.
Até agora, o maior escândalo envolvendo os Globos de Ouro data de 1982 e dizia respeito a Pia Zadora, vencedora do prémio para "atriz revelação" que, dizem as variadas más línguas de Hollywood, terá sido comprado pelo marido bilionário da atriz, Meshulam Riklis. A este ultraje juntam-se polémicas pelo gosto que os membros da HFPA têm pelo contacto próximo com as estrelas e por, alegadamente, receberem incentivos dos estúdios a fim de escolherem os seus filmes.
Apesar de tudo isto, Hollywood, a entidade genérica (e cada vez menos real) com que, por hábito, designamos a indústria norte-americana do entretenimento sediada na Califórnia, tem mantido esta relação de amor-ódio a funcionar com proveito mútuo. A HFPA engole as provocações e piadas que todos os anos infestam as cerimónias de entrega dos seus prémios, em troca do retorno que obtém; e os executivos, cineastas, produtores e atores aceitam ir a jogo pela promoção que este circo lhes proporciona.
Agora, o clima de protesto e pressão nos campos da igualdade de género e paridade racial parece querer mudar, finalmente, tudo isto.
Do lado dos mentores dos Globos de Ouro, o tom é de defesa e luta pela sobrevivência. A 9 de março anunciaram a contratação de consultores para:
Conduzirem uma profunda revisão das políticas da HFPA, rever o processo de admissão, operações e gestão, e proceder a um alinhamento com as melhores práticas da indústria.
Ontem, os administradores da associação emitiram um novo comunicado com as primeiras medidas concretas, destinadas, em primeira análise, a responder à ameaça de boicote. Nesse documento, afirmam ter sido "aprovado por unanimidade um plano para aumentar o número de membros para um mínimo de 100, ainda este ano, com a obrigatoriedade de que de pelo menos 13% do total seja composto por jornalistas negros."