23 filmes de 2020 para ver em 2021

A digressão mundial do SARS-Cov-2 pôs a sétima arte de cabeça para o ar e alterou visceralmente os calendários de produção e estreia. Por isso, e porque qualquer pretexto é bom para fazer listas na era da Internet, aqui fica uma relação de 23 filmes previstos para 2020 que aguardamos com impaciência para o ano que agora começa.

 

Thomas Vinterberg ("A Caça", "A Comuna") assina "Druk - Another Round", a história de um grupo de professores que decide testar a teoria de que um nível moderado de embriaguez melhora a criatividade e nos torna mais descontraídos. Filme europeu do ano, a que juntou as categorias de melhor realização, ator e argumento, Concha de Prata em San Sebastian para Mads Mikkelsen e prémio de melhor filme no festival de cinema de Londres, entrada dinamarquesa para o Oscar de melhor filme internacional - e um dos grandes favoritos, dada a projeção conseguida até ao momento.

 

Urso de Prata de melhor realização no Festival de Berlim, "A Mulher que Fugiu", do sul-coreano Hong Sang-soo, segue os encontros de Gamhee, com três amigas, durante uma viagem de negócios do marido. Visita as duas primeiras nas suas casas e a terceira encontra-a por acaso num cinema. Enquanto conversam amigavelmente, como sempre, várias correntes fluem acima e abaixo da superfície do mar.

 

"Undine", história de amor realizada por Christian Petzold ("Em Trânsito", "Phoenix"), valeu o Urso de Prata de melhor atriz a Paula Beer, na edição 2020 do festival de cinema de Berlim. Petzold reimagina a figura mitológica da ninfa aquática, Ondina, que se torna humana quando se apaixona e morre quando o seu amado a trai, transportando-a para o século XXI. Aqui, Undine é uma historiadora que trabalha no departamento de desenvolvimento urbanístico da cidade de Berlim. Reescrevendo o mito, o filme apresenta uma reflexão sobre a relação entre realidade e ilusão.

 

A realizadora chinesa radicada nos EUA, Chloé Zhao, apresenta "Nomadland - Sobreviver na América", baseado no livro "Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century", da jornalista Jessica Bruder, crónica real de três anos e mais de 24 mil quilómetros passados a viver numa autocaravana de modo a documentar a vida dos americanos que trocaram a vida numa casa pela estrada.

Frances McDormand interpreta Fern, uma mulher na casa dos sessenta anos que, após perder tudo na última grande recessão económica, prepara a sua carrinha e parte pela estrada numa viagem pelo oeste americano, explorando uma vida fora da sociedade convencional, como uma nómada moderna. No elenco, constam ainda David Strathairn e alguns verdadeiros nómadas que interpretam versões ficcionais deles próprios.

Leão de Ouro em Veneza 2020 para melhor filme e prémio do público em Toronto, no mesmo ano, é ainda o maior favorito aos próximos Óscares.

 

Estreia do francês Leos Carax  ("Holy Motors", "Pola X", "Les Amants du Pont Neuf") numa produção em língua inglesa, "Annette" é um musical com Adam Driver e Marion Cotillard. Um humorista e a sua mulher, cantora de ópera, têm uma filha de dois anos com um surpreendente dom.

 

O canadiano Denis Villeneuve ("Blade Runner 2049", "O Primeiro Encontro") pega na conhecida obra de ficção científica escrita por Frank Herbert para uma nova adaptação ao cinema em duas partes. "Duna" será a primeira e inclui um longo elenco com Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Dave Bautista, Stephen McKinley Henderson e Zendaya.

Passado no ano 10 191, numa sociedade feudal intergaláctica, em que casas nobres são responsáveis por planetas e onde a Casa Atreides aceita administrar o cobiçado planeta Arrakis, rico na especiaria Melange - uma substância capaz de desbloquear o potencial da humanidade. À medida que a família toma posse de Arrakis, as tensões entre casas desencadeiam uma batalha pelo controlo do planeta.

 

Do realizador belga Lucas Belvaux ("Esta Terra É Nossa"), "Des Hommes", recupera memórias de antigos combatentes franceses na Guerra da Argelia. Permaneceram em silêncio e viveram as suas vidas. No entanto, às vezes basta uma insignificância, um aniversário, um presente que cabe no bolso, e quarenta anos depois o passado irrompe na vida de quem pensava poder esquecer. Foi um dos filmes escolhidos para a seleção oficial de Cannes 2020, a tal que não chegou a acontecer.

 

Em "State Funeral", o ucraniano Sergei Loznitsa debruça-se sobre o funeral do ditador Josef Stalin, em março de 1953. Um acontecimento grandioso que fez parar a União Soviética e que este documentário recorda através de imagens de arquivo, quase todas inéditas, restauradas e editadas de modo a refletirem para o espectador a atmosfera e dimensão do evento. Teve estreia mundial fora de competição no Festival de Veneza 2020 e em Toronto.

 

Cliente habitual do género de terror, o japonês Kiyoshi Kurosawa tem, desde 2012, conseguido lugar nos mais importantes festivais de cinema europeus. Em 2015, ganhou o prémio para o melhor realizador da secção Um Certo Olhar, em Cannes, com "Rumo à Outra Margem" para, um ano depois, o seu thriller "Creepy" estrear em Berlim. Regressou a Cannes em 2017 com "Before We Vanish" e "To The Ends of the Earth" encerrou Locarno 2019. O culminar desta aceitação europeia, a deriva para o drama de espionagem intitulada "Wife of a Spy" ganhou o Urso de Prata correspondente à melhor realização no Festival de Berlim deste ano.

Passado nos anos 40 do século XX, tem início na viagem de um comerciante japonês até a Manchúria, onde testemunha um ato de barbárie e obtém informações capazes de prejudicar o âmago do regime. As suas ações subsequentes causam mal-entendidos, ciúme e problemas legais para a esposa.

 

Lady Day foi uma das maiores vocalistas da história do jazz. Em 1971, a jornalista Linda Lipnack Kuehl decidiu escrever a biografia definitiva de Billie Holiday. Durante oito anos, antes da sua morte em 1978, Kuehl gravou mais de 200 horas de entrevistas com personagens que se cruzaram com a cantora. Testemunhos crus e brutalmente honestos que incluem depoimentos de personalidades como Charles Mingus, Sarah Vaughan, Tony Bennett, ou Count Basie, mas também dos padrastos de Billie, colegas de escola, pessoas que estiveram presas com ela, advogados, chulos e até dos agentes do FBI que a detiveram.

O livro de Kuehl nunca foi concluído e as fitas nunca foram ouvidas. Até agora, quando formam a base de "Billie", um documentário atmosférico de James Erskine com várias camadas que captura as facetas complexas de uma mulher negra orgulhosa, viciada em drogas, violenta, leal, amante vingativa e cantora inesquecível.

 

A estreia de Wagner Moura na realização adapta o livro "Marighella - O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo" de Mário Magalhães. O filme, que teve estreia mundial no festival de Berlim, baseia-se nos últimos cinco anos da vida de Carlos Marighella, líder do Partido Comunista Brasileiro, deputado, poeta e guerrilheiro, que durante a ditadura militar liderou um dos maiores movimentos de resistência ao governo da época. "Marighella" começa em 1964, ano do golpe que derrubou o governo democrático de João Goulart, e termina em 1969 com a morte do político, então na clandestinidade, durante uma emboscada.

 

Paul Verhoeven ("Robocop", "Instinto Fatal", "Starship Troopers", "Showgirls") filma a história da irmã Benedetta Carlini, uma freira italiana do século XV, aclamada como visionária, mas depois acusada de milagres fabricados, homossexualidade e bruxaria, terminando encarcerada por 35 anos. Sucessivamente atrasado devido à pandemia, "Benedetta" tem estreia mundial prevista para Cannes 2021.

 

A húngara Ildikó Enyedi pegou numa história que leu na adolescência para construir "The Story of My Wife". O original, do escritor Milan Fust, conta as memórias do Capitão Jacob Storr e de como este casou com a francesa Lizzy depois de uma aposta com um amigo que o desafiou a casar com a próxima mulher que entrasse no café onde estavam sentados. É o primeiro filme da realizadora após ter ganho o Urso de Ouro para o melhor filme do festival de Berlim em 2017 com "Corpo e Alma" e posterior nomeação para o Oscar. Léa Seydoux e Gijs Naber são os protagonistas.

 

Teve estreia mundial no festival de Telluride, nos EUA, em agosto de 2020, e seria depois selecionado para a competição principal do festival de Berlim. O círculo de críticos de cinema de Nova Iorque escolheu-o como o melhor filme do ano. A realizadora, Kelly Reichardt, tem no currículo obras como "Meek's Cutoff", presente no festival de Veneza em 2010. Regressou ao certame italiano três anos mais tarde com "Night Moves". O seu filme anterior, "Certain Woman", estreou em 2016.

"First Cow" decorre em 1820, quando um talentoso cozinheiro, solitário e taciturno, viaja para o oeste de modo a juntar-se a um grupo de caçadores de peles no Território de Oregon. A única pessoa com quem estabelece uma ligação mais profunda é um imigrante chinês também em busca de  fortuna. Os dois homens colaboram num negócio com potencial, mas dependente da participação clandestina da valiosa vaca-leiteira pertencente a um rico proprietário das redondezas.

 

Grande Prémio do Júri no festival de Berlim 2020, a terceira longa-metragem de Eliza Hittman, "Never Rarely Sometimes Always", acompanha duas adolescentes de uma zona rural da Pensilvânia que se deslocam a Nova Iorque para procurar ajuda médica após uma gravidez não planeada.

 

"Peninsula" continua a narrativa de "Train to Busan", o filme de zombies com première mundial nas sessões da meia-noite de Cannes em 2016. Desta vez, Yeon Sang-ho coloca um antigo fuzileiro numa missão de recolha de sobreviventes numa península coreana devastada pelos mortos-vivos. Integrado na seleção oficial da edição 2020 do Festival de Cannes que não chegou a ter lugar.

 

Três anos depois da longa de animação "Isle of Dogs", Wes Anderson regressa com uma declaração de amor ao jornalismo. "The French Dispatch" segue três histórias passadas no escritório francês de um jornal fictício do Kansas durante o século XX. O processo de escrita incluiu, Jason Schwartzman, Roman Coppola e Hugo Guinness, além do próprio realizador. Foi outros dos títulos que fez parte da lista do Festival de Cannes 2020 e talvez seja exibido na edição 2021. O elenco é longo, o visual espampanante e, como sempre, o filme não agradará a parte da crítica que embirra solenemente com Anderson.

 

Com apenas seis longas-metragens realizadas desde 2009, o mexicano Michel Franco conta com quatro presenças em Cannes, uma em Veneza e foi premiado em quatro dessas ocasiões. "Despues de Lúcia" venceu a secção Um Certo Olhar de Cannes, em 2012; "Chronic" recebeu o prémio de melhor argumento da competição principal do festival francês em 2015; de regresso a Um Certo Olhar, recebeu o Grande Prémio do Júri em 2017 por "Las Hijas de Abril"; por fim, em 2020, é atribuído a "Nuevo Orden" o Grande Prémio do Júri do Festival de Veneza.

O filme conta como, num futuro próximo, um levantamento popular na Cidade do México interrompe um casamento que se realizava na propriedade de uma família rica. Assim que os motins são reprimidos, descobrem que a noiva desapareceu e tentam chegar a acordo com os militares para que ajudem a encontrá-la.

 

A francesa Mia Hansen-Løve, premiada em Cannes e Berlim, apresenta "Bergman Island", com Mia Wasikowska e Tim Roth nos principais papéis.

Durante o verão, um casal de cineastas americanos retira-se para uma ilha a fim de escrever os argumentos dos seus próximos filmes, numa peregrinação ao local que inspirou Bergman. À medida que o trabalho e o verão avançam, as linhas entre realidade e ficção começam a esbater-se com a paisagem selvagem da ilha como cenário.

 

Aos 83 anos, Andrei Konchalovsky continua a assinar filmes interessantes e reconhecidos. "Dear Comrades", baseado em acontecimentos reais, ocorridos em 1962, na cidade de Novocherkassk, quando o exército soviético e o KGB dispararam sobre manifestantes desarmados, mereceu o Prémio Especial do Júri em Veneza 2020.

 

Produção checa realizada pela polaca Agnieszka Holland, nomeada para os prémios europeus de cinema 2020, "Charlatan" adapta para o cinema a história do fitoterapeuta Jan Mikolasek. Nascido no início do século 20, tornou-se rico e famoso após curar inúmeras doenças por meios pouco ortodoxos. Um verdadeiro emblema da Checoslováquia antes da Segunda Guerra Mundial, o curandeiro tornou-se ainda mais apreciado durante a ocupação nazi e o regime comunista. Cada regime valoriza-o e protege-o, mas qual será o custo de manter o seu status a cada mudança política?

 

Ruben Östlund regressa carregado do prestígio adquirido com "O Quadrado", Palma de Ouro em Cannes 2017, vencedor de seis prémios do cinema europeu e nomeado para um Oscar. "Triangle of Sadness" apresenta-se como uma sátira contemporânea que começa no mundo da moda, prossegue num cruzeiro a bordo de um iate de luxo que toma um rumo inesperado quando o capitão marxista decide punir os passageiros mimados com um lauto jantar durante uma violenta tempestade, causando intoxicação alimentar e enjoo. Termina numa ilha deserta onde as hierarquias são viradas de cabeça para baixo.

O título refere um termo usado por cirurgiões plásticos para uma correção de rugas entre os olhos com recurso a Botox.

 

O documentarista russo Viktor Kossakovsky salta de uma homenagem à água ("Aguarela: A Força da Natureza", de 2018) para uma ode à natureza e aos animais domésticos. "Gunda" acompanha o quotidiano de uma porca e dos seus companheiros animais de quinta: duas vacas e uma galinha perneta. A preto e branco. Sem palavras. Sem banda sonora. O filme apresenta a protagonista, a sua família e vizinhos, e oferece motivos para pensar no segredo da consciência e no valor da vida daqueles com quem partilhamos este planeta.