Cartaz de cinema

"O Síndrome do Vinagre" por Samuel Andrade
"The Studio": preocupações analógicas em streaming

Publicado em 20 Jun. 2025 às 21:10, por Samuel Andrade, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: Síndrome do Vinagre)

"The Studio": preocupações analógicas em streaming

Um dos episódios da série em exibição na Apple TV+ aborda de forma exemplar e bem humorada a "guerra silenciosa" entre analógico e digital.

"Não é mágica a película? Adoro o grão, sabes?
Dança, mesmo nas partes estáticas da imagem.
É como se respirasse. Cada fotograma tem tanta vida." *

Não será habitual, neste espaço de opinião, o elogio à oferta das plataformas de streaming, mas, súbita e ocasionalmente, lá surge o produto que desperta a atenção.

"The Studio", disponível na Apple TV+ desde março, é um desses casos merecedores de destaque. Criada e interpretada por Seth Rogen, será talvez a melhor sátira contemporânea sobre a Hollywood do século XXI (se conhecerem melhor exemplo, por favor, partilhem).

A série acompanha os esforços de Matt Remick, cinéfilo inveterado e novo diretor da ficcional Continental Studios, em agradar a celebridades, garantir prestígio artístico e obter sucesso financeiro com os seus filmes.

Se esta premissa parece interessante, o quarto episódio, "The Missing Reel" (literalmente, "o rolo de filme perdido") parece feito à medida das obsessões do Síndrome do Vinagre.

Durante a produção de um filme rodado em película de 35mm - realizado por Olivia Wilde e protagonizado por Zac Efron, ambos numa interpretação sarcástica das suas próprias imagens públicas - Matt Remick recebe uma notícia perturbadora: um dos rolos do filme desapareceu misteriosamente durante o trajeto para o laboratório responsável pela revelação.

Em menos de meia hora, "The Missing Reel" sublinha todos os predicados da "guerra silenciosa" entre analógico e digital que ainda reina na indústria cinematográfica norte-americana: a contínua predileção de alguns cineastas (Quentin Tarantino, Christopher Nolan, Paul Thomas Anderson, etc.) por filmar em película; o executivo visionário, determinado a perpetuar os suportes analógicos; os custos de filmar em 35mm; a perceção corporativa de que a rodagem em película é uma prática anacrónica; e, até, a figura do veterano projecionista que prefere o digital, pois "é só carregar num botão".

O facto de a série nunca se levar a sério, ajuda a que seja uma ótima apresentação destes temas junto do espectador menos inteirado.

The Studio

Ironicamente, no seio de toda a sátira e despojamento, "The Missing Reel" é bem capaz de possuir uma das imagens mais simbólicas que poderemos ver em 2025: no fim do episódio, o rolo reaparece, mas, num ato de vingativa frustração, é inutilizado por indevida exposição à luz e arremessado para o asfalto de uma das artérias de Los Angeles que ladeiam o letreiro de Hollywood, com a película a desbobinar-se, aos saltos pela rua abaixo, até à sua completa destruição.

Nessa sequência final, é impossível não subentender uma velada referência à fragilidade dos suportes fílmicos analógicos, dos perigos subjacentes à preservação cinematográfica e dos hipotéticos caprichos dos autores que continuam a eleger película como matéria-prima.

Possivelmente, de forma inesperada, Seth Rogen e a sua equipa criaram um autêntico e cativante manifesto visual sobre os temas que, mensalmente, dão vida aos textos desta rubrica. Por tudo isto, e para os interesses deste que vos escreve, "The Missing Reel" é um dos momentos deste ano.

Fica apenas o lamento de que o próprio episódio não tenha sido filmado em película.

* "The Missing Reel"; "The Studio", criada por Seth Rogen, Evan Goldberg, Peter Huyck, Alex Gregory e Frida Perez, temporada 1, episódio 4, Lionsgate Television, 2025.