Publicado em 20 Mar. 2022 às 11:51, por António Quintas, em Notícias de cinema (Temas: Cinema Europeu, Bastidores)
Após a saída da academia europeia de cinema em protesto pela falta de resposta à invasão da Ucrânia, o cineasta é agora acusado de ser "cosmopolita" e de ter os seus filmes exibidos num festival de cinema russo, em França.
O realizador Sergei Loznitsa foi expulso da academia ucraniana de cinema. Numa nota que pode ser lida no jornal "O Dia", publicado a partir de Kiev, a direção afirma que os artistas, sobretudo aqueles que são mais conhecidos fora do país, devem ter uma posição "clara e inequívoca" sobre a guerra. Censura Loznitsa por se considerar "um cosmopolita" e um "homem do mundo" e considera "completamente inaceitável" que os seus filmes façam parte da programação de um festival de cinema russo na cidade francesa de Nantes com o tema "De Lviv aos Urais".
"Não podem existir quaisquer compromissos ou meios-tons" acrescenta o mesmo comunicado da direção da academia ucraniana de cinema que termina com o pedido de que a comunidade internacional não posicione Loznitsa "como representante da esfera cultural ucraniana".
Esta expulsão surge após Loznitsa ter anunciado a saída da academia europeia de cinema (EFA) a 28 de fevereiro. O cineasta apelidou de "vergonhosa" a reação inicial do organismo à invasão da Ucrânia.
O primeiro comunicado da EFA limitava-se a afirmar "muita preocupação" quanto à invasão russa de território ucraniano. A 1 de março, a academia reforçou a atitude, condenou a guerra "inequivocamente" e aderiu ao boicote aos filmes russos pedido pela congénere ucraniana. Uma posição complementada no dia seguinte quando declarou o "mais forte protesto e oposição inequívoca à agressão militar russa" e pediu à Rússia "que suspenda imediatamente todas as actividades militares na Ucrânia".
O Univerciné, festival de cinema russo referido no comunicado da academia ucraniana é, na verdade, uma de quatro manifestações que destacam importantes cinematografias europeias, todas organizadas por professores e investigadores da Universidade de Nantes, no oeste de França. Outros festivais Univerciné são dedicados ao cinema alemão, britânico e italiano.
A guerra na Ucrânia obrigou a direção a repensar tanto o nome como o programa. Optaram por um festival abreviado, a decorrer entre 31 de março e 3 de abril, e anularam os momentos festivos. A designação mudou para "Festival Univerciné - de Lviv aos Urais" (designação infeliz que abriu porta a interpretações dúbias perante as ambições expansionistas do Kremlin) e declararam-se totalmente contra a agressão à Ucrânia, sendo claros no facto de não receberem dinheiro de entidades russas. Quanto à programação, passou a ser composta por filmes russos e ucranianos cujos temas, ou posições tomadas pelos seus autores, se opõem à guerra e questionam o seu contexto.
Sergei Loznitsa nasceu na Bielorrússia, na altura parte da União Soviética. Mais tarde, a sua família mudou-se para Kiev, Ucrânia. Em 2001, emigrou para a Alemanha.
As suas primeiras longas-metragens de ficção, "A Minha Alegria" (Schastye moe), de 2010, e "No Nevoeiro" (V tumane), de 2012, tiveram estreia mundial no Festival de Cannes. "No Nevoeiro" recebeu o prémio da associação de críticos FIPRESCI.
Nesse ano, roda em Portugal "O Milagre de Santo Antonio", curta documental sobre uma procissão religiosa ancestral no norte do país.
Regressa a Cannes em 2014 com "A Praça", dedicado à revolução ucraniana desse ano.
Em 2015, revisita os momentos dramáticos da tentativa falhada de golpe de estado em agosto de 1991, na URSS, com "Sobytie", exibido pela primeira vez na Biennale di Venezia onde também estreou "Austerlitz", observação dos visitantes a memoriais nos antigos campos de concentração na Alemanha.
"Uma Mulher Doce" (Krotkaya), marca o regresso à ficção e integra a seleção oficial em competição do Festival de Cannes 2017.
Em 2018, a quarta longa-metragem de ficção de Loznitsa, "Donbass", vale-lhe o prémio de melhor realização da secção Um Certo Olhar, em Cannes.
Nesse mesmo ano, Veneza assiste à estreia de "The Trial", onde Loznitsa usa imagens de arquivo para retratar os julgamentos estalinistas dos anos 30, método que repete em 2019, na realização de "Funeral de Estado", composto, em grande parte, a partir de filmagens de arquivo inéditas do funeral do ditador Joseph Stalin, em março de 1953.
Os seus trabalhos mais recentes prosseguem esta busca pelo passado. "Babi Yar. Context", recorda o massacre de 30 mil judeus pelos nazis ao longo de três dias, em setembro de 1941, e "Mr. Landsbergis" aborda o processo de saída da Lituânia da União Soviética a partir de entrevistas com um dos fundadores do movimento de independência, Vytautas Landsbergis.