Publicado em 16 Set. 2020 às 20:06, por Samuel Andrade, em Notícias de cinema (Temas: Síndrome do Vinagre)
Os truques e métodos da produção analógica de uma das estreias desta semana na Netflix.
Com o lançamento, a partir de hoje na Netflix, de "Sempre o Diabo", podemos constatar mais um bom argumento para deitar por terra a afirmação de que a película é um formato de rodagem em vias de extinção.
Para o seu novo filme – um thriller psicológico, adaptado do best-seller de Donald Ray Pollock, com Tom Holland (Homem-Aranha: Longe de Casa), Bill Skarsgård (It), Riley Keough (Ele Vem à Noite), Jason Clarke (Samitério de Animais), Mia Wasikowska (Alice do Outro Lado do Espelho) e Robert Pattinson (Tenet) no elenco –, o realizador brasilo-americano António Campos optou pela película Kodak de 35mm como instrumento para captar, de forma efetiva, tanto os períodos em que a história decorre, como o lado sombrio deste retrato de uma família desunida, imoral e religiosamente fanática.
Nesse trabalho, António Campos teve como principal aliado o seu diretor de fotografia, Laurie "Lol" Crawley, profissional que filma regularmente em película. Para além da sua extensa pesquisa sobre os padrões de fotografia e cinema que caracterizam as imagens dos anos 1950 e 1960, Crawley decidiu, também, revelar a película de acordo com métodos inteiramente analógicos e quase em desuso.
Uma vez que a Kodak já não fabrica os modelos de película utilizados naquelas décadas, e havendo a vontade de recriar o chamado "look de época", a emulsão do filme foi intencionalmente impressa com subexposição (ou seja, com menos luz do que o recomendado) e incremento do contraste cinematográfico (na indústria, esta prática denomina-se "push process"). O resultado é, portanto, uma imagem onde as sombras e cores adquirem um aspeto mais "sujo", granuloso e sem qualquer efeito de embelezamento.
Esta manipulação também conheceu variações consoante a época retratada no filme. Nas palavras de Lol Crawley, para o site RedShark News, "aumentei o contraste nas sequências mais antigas da história, de forma a obter maior grão na imagem, e, nos períodos recentes do filme, apliquei um pouco mais de exposição para lhes conferir um sentido de modernidade."
Assim, "Sempre o Diabo" assume-se, de um ponto de vista técnico e estético, como experiência fundamentalmente analógica e, de acordo com o seu diretor de fotografia, o recurso à película não foi motivado por quaisquer saudosismos, ou nostalgias.
"Tenho a teoria de que o cinema pretende aproximar-se da arte fotográfica ao utilizar, como referência, os negros expressivos daquela técnica. Por outro lado, e geralmente, não tendes a usar o preto na sua forma mais pura quando pintas um quadro. O que fazes é construir sombras com tintas roxas e castanhas, para aplicar cor nas sombras. É isso o que queria para esta história. Filmar em película oferece-te essa qualidade pictórica."