Publicado em 31 Mai. 2020 às 12:53, por Samuel Andrade, em Notícias de cinema (Temas: Cinema Português)
Mais de 100 participações de gente ligada ao setor, entre atores, realizadores, técnicos, jornalistas, programadores e muitos mais, compõem esta lista que, propositadamente, publicamos na véspera da ainda tímida reabertura das salas de cinema, numa homenagem ao cinema feito em Portugal e aos que nele trabalharam e continuarão a trabalhar.
De toda a cinematografia portuguesa, quais serão os títulos mais influentes, os mais relevantes de um ponto de vista histórico, cultural e artístico ou, simplesmente, os mais apreciados não só junto de quem nutre uma cinefilia ativa, mas também pelos que vivem atentos aos nossos filmes?
Foi com estas interrogações que o filmSPOT desafiou um alargado conjunto de personalidades ligadas à comunidade cinematográfica de Portugal – de realizadores a produtores, de atores a argumentistas, de críticos de cinema a programadores culturais, de autores de sites e blogues de cinema a redatores on-line, de técnicos a investigadores –, assim como da sociedade e cultura em geral, a partilhar a sua opinião sobre quais os filmes portugueses que deveriam residir entre os melhores de todos os tempos.
Neste mesmo convite, solicitamos aos participantes a enumeração de, apenas, cinco títulos (para fins de contabilização da lista final, majorados do primeiro ao quinto lugar), de forma a que cada seleção espelhasse relevância cinematográfica e, principalmente, as afinidades pessoais de cada um.
Assim, sem mais delongas, anunciamos os "10 Melhores Filmes Portugueses de Sempre", apurados pelo filmSPOT e ilustrados, de modo muito pessoal, pelo artista gráfico Rui Cavaleiro, que nos oferece a sua interpretação e a sensibilidade estética em torno de cada título.
Adaptação do romance "Madame Bovary", de Gustave Flaubert, e ambientado na região do Douro, "Vale Abraão" descreve o drama de Ema Paiva (Leonor Silveira), dividida entre um casamento infeliz e as obrigatoriedades da sua classe social. Neste filme, ficou famosa a sequência da protagonista, rodeada por um laranjal e filmada num belíssimo travelling.
Num registo seco e claustrofóbico, "Alice" debruça-se sobre um tema então na moda: o misterioso desaparecimento de uma criança, a filha de três anos do casal protagonista (Nuno Lopes e Beatriz Batarda). O pai, sozinho e desesperado, acaba por se tornar na única pessoa a acreditar no reencontro com a filha – um papel que valeu a Nuno Lopes diversos prémios de Melhor Ator.
Entre a ficção e o documentário, filmado em estilo de "cinema direto", "No Quarto da Vanda" aborda, de modo austero e desprovido de artificialismo, a toxicodependência, e, em particular, a injustiça social de setores marginais das sociedades urbanas (neste caso, o extinto bairro das Fontainhas).
Drama burlesco, que mistura ficção com documentário, inspira-se em fait divers, publicados pela comunicação social de então, para retratar a crise económica do país no início da década, ao mesmo tempo que descreve o "dilema existencial" do seu realizador enquanto produz o filme. Estreou em três partes: "Volume 1: O Inquieto"; "Volume 2: O Desolado"; e "Volume 3: O Encantado".
Sequela de "Recordações da Casa Amarela", "A Comédia de Deus" não só remete o espectador para aquele filme, como também traça o percurso, mal humorado e sarcástico, de João de Deus (interpretado pelo próprio realizador). Pleno de sequências e frases memoráveis, é uma das comédias negras mais conhecidas do cinema português.
Documentário sobre Belarmino Fragoso, antigo campeão de boxe que, na época, vivia de modo humilde pelas ruas de Lisboa, é considerado obra fundamental do Cinema Novo português. Ficou também célebre pela sua banda sonora, com sonoridades de jazz, composta por Manuel Jorge Veloso.
Um clássico do cinema português e a primeira longa-metragem de Manoel de Oliveira, "Aniki-Bóbó" realça a paixão de um tímido rapaz por uma rapariga da sua escola (os icónicos Carlitos e Teresinha), ao mesmo tempo que retrata o quotidiano das crianças oriundas das camadas mais pobres da cidade do Porto.
Inspirado no cinema mudo, nas comédias burlescas portuguesas e na Nouvelle Vague francesa, João César Monteiro encarna João de Deus, figura doente e sombria, residente numa pensão barata de Lisboa e que, no final, acaba por "ressuscitar dos mortos". O filme mereceu a João César Monteiro o Leão de Prata, de realização, no Festival de Veneza daquele ano.
A história de um amor ilícito, invocando as vivências do colonialismo português pouco tempo antes da Guerra Colonial, "Tabu" distingue-se pela homenagem que presta ao cinema dos anos 20, exibindo um apurado trabalho de fotografia a preto-e-branco e a particularidade de grande parte do filme ser narrado em voz-off, como se de um filme mudo se tratasse.
Considerado como um dos filmes fundadores do Cinema Novo português, "Os Verdes Anos" apresenta, através dos seus protagonistas (Rui Gomes e Isabel Ruth), um país dominado pela repressão social e emocional. Inovador na sua linguagem cinematográfica, o filme notabilizou-se pelo retrato dos ambientes da cidade de Lisboa da época e pela banda sonora de Carlos Paredes.
A participação e o entusiasmo, em torno desta iniciativa, que recolhemos excedeu as nossas maiores e mais otimistas expetativas: o desafio foi acolhido positivamente por 122 pessoas e, durante as semanas em que recebemos as suas listas individuais e no total, foram mencionados 180 filmes portugueses: da ficção ao documentário, da curta à longa metragem, do cinema mudo ("O Táxi 9297" e "Rita ou Rito?...", ambos realizados por Reinaldo Ferreira em 1927, foram os títulos mais antigos referidos) à contemporaneidade (como foram os casos de "A Metamorfose dos Pássaros", de Catarina Vasconcelos, "Amor Fati", de Cláudia Varejão, e "Mosquito", de João Nuno Pinto, todos lançados este ano).
Como em qualquer publicação de "melhores filmes", estamos cientes de que a lista agora revelada será sempre incompleta, subjetiva, aberta ao debate e suscetível de reformulação futura. No entanto, estes dez títulos poderão constituir-se como um ponto de partida para quem deseja conhecer, de modo mais aprofundado, o cinema português no seu percurso histórico e na sua variedade de registos.
A comprová-lo, é de salientar "Aniki-Bóbó" como o filme mais distante no tempo (1942), enquanto que os três volumes de "As Mil e Uma Noites", estreados comercialmente em 2015, são os mais recentes destes "10 Melhores Filmes Portugueses de Sempre".
Além disso, e em jeito de curiosidade, também se revela pertinente destacar os títulos que surgem logo a seguir aos dez primeiros da lista: três obras de Pedro Costa – "O Sangue" (1989), "Cavalo Dinheiro" (2014) e "Vitalina Varela" (2019) –, dois de Manoel de Oliveira – "Acto da Primavera" (1963) e "'Non', ou a Vã Glória de Mandar" (1990) –, o documentário "Trás-os-Montes" (1976, de António Reis e Margarida Cordeiro) e, individualmente, "Sangue do Meu Sangue" (2011, de João Canijo), "Os Mutantes" (1998, de Teresa Villaverde) e "A Canção de Lisboa" (1933, de José Cottinelli Telmo).
Por fim, nunca teria sido possível definir os "10 Melhores Filmes Portugueses de Sempre" sem os contributos e a opinião de quem aderiu à iniciativa. O feedback que recebemos dos que saudaram a ideia mas, por diversas condicionantes que aceitamos sem reservas, não puderam enviar a sua lista individual, foi também muito importante.
A todos, o nosso mais profundo agradecimento.
Desenhos de Rui Cavaleiro (todos os direitos reservados). Colaboração de Inês Moreira Santos.
Abaixo, pode consultar os Top5 individuais dos participantes na iniciativa "10 Melhores Filmes Portugueses de Sempre", com exceção de dez que pediram anonimato.