Cartaz de cinema

"O Síndrome do Vinagre" por Samuel Andrade
O Arquivo da Semana: Nos 75 Anos de Hiroshima e Nagasaki – e os "filmes atómicos" da Guerra Fria

Publicado em 8 Ago. 2020 às 18:00, por Samuel Andrade, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: Síndrome do Vinagre)

O Arquivo da Semana: Nos 75 Anos de Hiroshima e Nagasaki – e os "filmes atómicos" da Guerra Fria

As duas bombas nucleares que explodiram sobre as cidades japonesas abriram uma era com novos medos e riscos para a humanidade.

Na semana em que se assinalam os 75 anos dos bombardeamentos atómicos de Hiroshima e Nagasaki (a 6 e 9 de agosto de 1945, respetivamente), o Arquivo debruça-se sobre o legado histórico de uma ação militar que determinou o fim da Segunda Guerra Mundial, e viria a influenciar a balança do poder político entre as duas superpotências mundiais (Estados Unidos e União Soviética) ao longo de quase meio século de Guerra Fria.

Assim, sete décadas e meia passadas sobre Hiroshima e Nagasaki, o que aprendemos sobre a capacidade humana e científica de conceber armas nucleares de destruição maciça? Uma possível resposta para essa pergunta poderá residir na visualização do imenso material fílmico sobre o tema, produzido desde a década de 1940 e, na sua grande maioria, em contexto militar.

O Arquivo desta semana destaca, portanto, um punhado de registos que documentam, simultaneamente, progressos e testes científicos, acidentes industriais, os receios que a "era atómica" projetou sobre as nações dotadas desse poder militar e de como a opinião do Homem evoluiu, ao longo dos tempos, em relação à energia nuclear.

No verão de 1946, o exército norte-americano levou a cabo dois testes nucleares no Atol de Bikini, no Oceano Pacífico, com o intuito de observar os efeitos de armas nucleares em navios de guerra.

A Operação Crossroads foi a primeira ação militar deste género a conhecer divulgação pública, nomeadamente através de uma extensa "cobertura fílmica" que captou as detonações por dezenas de câmaras em simultâneo. Os detalhes dessas explosões, incluindo as medidas tomadas para proteger a película da radioatividade e as impressionantes imagens resultantes desse aparato, ficaram registados neste documentário do Exército dos Estados Unidos.

(fonte: Periscope Film)

Em 1954, época em que o poderio militar da União Soviética já era encarado como uma ameaça à segurança de milhões de cidadãos dos Estados Unidos, a Federal Civil Defense Administration produziu "Let's Face It", um documentário institucional que enfatizava a importância dos programas de defesa civil na eventualidade de um ataque nuclear em solo norte-americano. Aliando filmes de arquivo (os efeitos da bomba de Hiroshima, ou os testes realizados durante os anos 50 no Atol de Enewetak, por exemplo) com dramatizações dos procedimentos a adotar em caso de explosão atómica, "Let's Face It" atesta como a visão de uma bomba atómica não perdeu nenhum do seu terror com o passar das décadas.

(fontes: US Federal Civil Defense Administration / Periscope Film)

Com o objetivo de demonstrar o uso pacífico da energia nuclear e por influência do Presidente Dwight D. Eisenhower, os animadores da Walt Disney conceberam "Our Friend the Atom", um filme de propaganda, exibido pela ABC em 1957, que associava a energia atómica à simbologia do "génio da lâmpada": ambos são capazes do melhor e do pior e caberá à humanidade desenvolver as boas práticas em torno da ciência nuclear. Sem dúvida, um estranho produto do seu tempo.

(fonte: Walt Disney Productions)

A 30 de outubro de 1961, em Nova Zembla, no Oceano Ártico, a União Soviética testou a maior arma nuclear alguma vez fabricada. Uma bomba de hidrogénio alcunhada de RDS-220, ou "Tsar Bomb" pelos norte-americanos, a potência da sua detonação era equivalente a 58 megatoneladas de TNT e originou uma nuvem com 65km de altura (de acordo com algumas fontes, era visível na Finlândia), num projeto que só foi abandonado por constrangimentos no transporte aéreo da bomba. O processo de desenvolvimento, construção e detonação da RDS-220 ficou registado neste filme de propaganda soviético, "Tsar Bomb – Official Chronicle" (apenas disponível em russo e sem legendas), cujas imagens são frequentemente utilizadas em documentários sobre energia atómica.

(fonte: KovaInfo)

Nenhum outro acontecimento foi mais demonstrativo dos perigos da energia nuclear como o acidente na central de Chernobil, a 26 de abril de 1986. Juntamente com o custo humano e impacto ambiental causados pela explosão de um dos seus reatores, tornou-se paradigmático como a radiação emitida pela central ficou, literalmente, impressa na película de 35mm que o cineasta ucraniano Vladimir Shevchenko usou para filmar as consequências daquele desastre. Os efeitos da união do celulóide com a radioatividade (particularmente, nos segmentos em que o filme aparenta não ter cor) podem ser observados em "Chernobyl: Chronicle of Difficult Weeks" (apenas disponível em russo e sem legendas), documentário que serviu de suporte histórico para a popular série da HBO, "Chernobyl", e cujos suportes originais, ainda hoje radioativos, possuem o estatuto de "o filme mais perigoso do mundo". O realizador Vladimir Shevchenko viria a falecer, um ano depois, devido aos efeitos de exposição à radioatividade.

(fonte: Ukrainian Newsreel and Documentary Film Studio)