Publicado em 10 Dez. 2021 às 19:08, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia, Festivais de cinema)
A terceira e última crónica sobre a edição 2021 do festival portuense é dedicada à música e aos filmes que nela encontram tema.
O cinema documental que aborda a música e o contexto social que a envolve tem o seu espaço no Porto/Post/Doc, na secção competitiva "Transmission". A oferta apresentava-se entusiasmante, com filmes que se debruçavam sobre movimentos culturais como a convivência entre o novo e o tradicional flamenco sevilhano no "Nueve Sevillas" de Gonzalo García Pelayo, ou documentários mais convencionais, biografias de bandas, ou artistas, como "Don't Go Gentle: A Film About Idles", de Mark Archer, ou "In My Own Time", trabalho de Richard Peete e Robert Yapkowtiz dedicado à lenda da folk Karen Dalton.
Numa espécie de forma híbrida entre o primeiro e o segundo formato, move-se "The Conductor" de Bernadette Wegenstein. O filme faz uma retrospectiva da vida e carreira, tão confundíveis afinal, de Marin Alsop, maestrina da Sinfónica de Baltimore e indefectível de Leonard Bernstein. Num mundo extraordinariamente machista (aqui o advérbio de modo deverá ser entendido no sentido literal, visto haver muita resistência cultural no meio a que uma mulher pudesse conduzir uma orquestra, não parecendo o preconceito extensível à possibilidade de uma mulher ser parte de uma sinfónica), Marin Alsop triunfou de forma relativamente graciosa. Seria de pensar que aqui estaria a essência da história, mas Bernadette Wegenstein optou por um olhar de reportagem, em formato "60 minutes", com melodrama fácil e planos "talking head" entrecortados por imagens de arquivo de reportagens de televisão que tornam o documentário artificial e, acima de tudo, entediante.
Todo o contrário do que foi o documentário de Philip Reichenheim, "Freakscene", que acompanha os Dinosaur Jr desde antes da sua formação, quando J Mascis e Lou Barlow, ainda no liceu, formaram os Deep Wound. Reichenheim, espectador privilegiado por ser cunhado de J Mascis, teve a inconsciência necessária para não ter uma ideia demasiado definida do que queria fazer ao iniciar o filme e a sensibilidade suficiente para o conduzir até ao seu real ponto de interesse – a relação dos três elementos da banda e a forma como esta evoluiu, quebrou e se reconstruiu ao longo de mais de 30 anos. "Freakscene" não aposta por retratar um movimento social ou uma cena musical optando por focar-se na relação íntima de três indivíduos obrigados a conviver em palco e fora dele.
Dizia Philip Reichenheim, após a apresentação do filme no Passos Manuel, que cedo percebeu que precisava de ter depoimentos dos três elementos em separado para que não se contivessem a falar uns dos outros. Esta tensão é muito explorada durante todo o filme como uma terapia catártica, mas não é unidimensional. Nem tudo é ressentimento, há espaço para autocrítica e admiração mútua. E há a música, que não é secundária. A sinopse disponibilizada pelo festival descrevia a banda como um trio incapaz de comunicar sem ser em palco. Não seria tremendista ou vulgar ao ponto de afirmar que a música os salvou, mas seguramente foi o que atraiu cada um deles de volta ao olho do furacão.