Publicado em 1 Dez. 2021 às 11:45, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia, Festivais de cinema, Cinema Português)
Primeira de um conjunto de crónicas sobre a edição 2021 do festival portuense.
De entre as competições promovidas pelo PortoPostDoc, a denominada Cinema Falado, dedicada à cinematografia dos vários países de língua portuguesa, foi aquela que se apresentou com maiores pontos de interesse na edição de 2021 do festival portuense. Numa rubrica maioritariamente preenchida por produção portuguesa e brasileira, destacam-se os títulos de Tiago Afonso, "Distopia", vencedor da competição com esta obra sobre o processo de gentrificação conduzido na cidade do Porto na última década, e "Madalena" de Madiano Marcheti, obra de ficção que merece um olhar atento. Marcheti situa a história no Mato Grosso do Sul, Brasil, onde o bucolismo da paisagem assume particular importância. O corpo de Madalena, transexual, jaz morto num campo de soja com sinais de violência. A partir daí a ausência de Madalena é vivida por quem a conheceu. Sem dramas. Como algo inevitável. A força do filme está justamente na indiferença, na ausência de impacto que o crime tem na comunidade.
Destaque também para outra produção brasileira, o documentário de Eryk Rocha, "Edna", que segue a antiga guerrilheira Diná, da Guerrilha do Araguaia, movimento esmagado pela ditadura militar brasileira no início da década de 70. Diná carrega a memória de homens torturados e mulheres violentadas numa guerra que, de alguma forma, ainda persiste naquela região. O relato de Diná é embalado pela câmara de Eryk Rocha que deambula pela paisagem rural cortada pela longa estrada que liga Brasília a Belém. Mais de 3000 km de asfalto que facilitaram a violenta colonização do interior amazónico.
Nota final para as curtas portuguesas de Mónica Martins Nunes, "Sortes", e de Daniel Soares, "O que resta". Duas formas distintas de olhar o interior, separados geograficamente, mas com tantas linhas paralelas. A sensibilidade do olhar dos autores e a forma não invasiva como criam espaço aos verdadeiros protagonistas deixam antever um futuro entusiasmante para estes dois nomes.