Publicado em 21 Nov. 2022 às 19:39, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia, Festivais de cinema)
Retorno ao cinema da húngara Marta Mészáros com o filme que lhe valeu o Urso de Ouro em Berlim.
Num sábado chuvoso, o cinema Trindade compôs-se para receber "Adoption", filme que consagrou Marta Mészáros no Festival de Berlim de 1975, tornando-a a primeira mulher (e o primeiro cineasta de nacionalidade húngara) a vencer o Urso de Ouro.
Assente num brilhante trabalho de cinematografia de Lajos Koltai, Mészáros cruza os caminhos de duas mulheres
cujas motivações serão tão mundanas quanto transgressoras. Kata, uma personagem que não estranharíamos ver em Bergman, é uma operária fabril de 43 anos que vê a possibilidade de ser mãe como um escape para a solidão que antevê para o futuro. Anna está prestes a entrar na idade adulta e vê no casamento a libertação de uma opressiva vida familiar.
Mészaros filma estas mulheres, os seus rostos e corpos, com uma honestidade desarmante e estes detalhes ressoarão com frequência ao longo do filme, acentuando a dualidade entre duas personagens tão distantes no percurso de vida e, ainda assim, ambas confrontadas com circunstâncias que as obrigam a ponderar decisões entendidas como socialmente disruptivas.
"Adoption" celebra, sem opulência, uma ideia de feminismo enquanto resistência, evitando o final triunfal. Mészáros não nos deixa partir sem a certeza de que para lá das tormentas outros muros se erguem.