Publicado em 13 Set. 2022 às 11:02, por António Quintas, em Notícias de cinema (Temas: Obituário, Cinema Europeu)
O realizador, um dos fundadores da Nova Vaga do cinema francês, tinha 91 anos.
Controverso, inovador, pouco dado a compromissos, desprezado, mas sobretudo adorado pelos amantes do cinema, Jean-Luc Godard morreu esta terça-feira aos 91 anos, de acordo com a imprensa francesa.
Nasceu em Paris, a 3 de dezembro de 1930. O pai era médico e a mãe filha de um suíço ligado à banca. Passou parte da juventude em Genebra e regressou a França em 1949, após concluir os estudos.
Na Paris do pós-guerra começa a frequentar os cineclubes e a Cinemateca Francesa e é seduzido pelos escritos do crítico e ensaísta André Bazin, um dos criadores da revista Cahiers du Cinema e da teoria do cinema de autor que valorizava alguns realizadores como artistas possuidores de traços unificadores e distintivos na sua obra.
Com François Truffaut, Claude Chabrol, Éric Rohmer e Jacques Rivette começa a escrever para os Cahiers. Recuperam os cineastas da Hollywood clássica e conferem-lhes estatuto como "auteurs". Howard Hawks, John Ford, Otto Preminger, Frank Capra, são elevados ao panteão do cinema como arte. Ao mesmo tempo, arrasam o cinema clássico francês, o velho mito da "qualidade" presa a adaptações literárias e a um classicismo datado e bafiento.
Da escrita, o grupo de jovens cinéfilos passa à acção e começa a filmar. Colocam em prática as teorias defendidas nos seus textos. Inovar e experimentar passam a ser as prioridades.
Após algumas curtas, Godard apresenta a primeira longa-metragem em 1960. "O Acossado" ("À Bout de Souffle" no original), com Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg, onde usa as limitações técnicas e de orçamento em benefício da inovação. A câmara à mão, os cortes súbitos a meio da ação, a rodagem em exteriores que atira os protagonistas para o mundo real.
Rejeitado numa primeira análise por alguma crítica como um amador, Godard seria reconhecido em Berlim com o festival a atribuir-lhe o Urso de Prata de melhor realização. Em 1965, receberia o Urso de Ouro para melhor filme com "Alphaville".
Ainda nos anos 60 assinaria um conjunto impressionante de obras como "O Desprezo" (1963), com Brigitte Bardot, "Bando à Parte" (1964), com Ana Karina, ou "Pedro, o Louco" (1965), novamente com Jean-Paul Belmondo.
Em finais da década, o trabalho de Godard assume contornos cada vez mais politizados, fruto da época e da situação social e política em França, e começa a levar mais longe o experimentalismo nascido na Nouvelle Vague. São os anos de "O Maoísta", de "Duas ou Três Coisas que eu Sei Dela" e de "Fim-de-Semana".
Regressaria a um registo mais tranquilo e aparentemente convencional nos anos 80, interrompido pela controvérsia de "Eu Vos Saúdo Maria", que levou a ruidosos e por vezes violentos protestos por parte de elementos ligados à Igreja Católica.
Em 2010, Cannes, o festival só tardiamente reconheceria Godard, premiou "Film Socialism" na secção Um Certo Olhar. Nesse ano, a academia norte-americana decidiu dar-lhe um Oscar honorário, mas o realizador não esteve presente na cerimónia.
Com "Adeus à Linguagem" (2014) continua a experimentar novas formas, no caso o 3D, para filmar um casal incapaz de comunicar que usa o seu cão como intérprete entre eles. Foi Prémio Especial do Júri, novamente em Cannes que premiaria ainda a última longa-metragem de Godard, "O Livro da Imagem", com uma Palma de Ouro especial.