Publicado em 13 Ago. 2024 às 16:31, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia)
Uma mulher colocada perante uma doença incurável tenta preparar-se para a morte no filme da franco-alemã Emily Atef.
"O que fazer quando estamos a morrer", é a frase que Heléne (Vicky Krieps), protagonista de "Mais Que Nunca", coloca no motor de busca do computador pessoal, mas podia perfeitamente ser o subtítulo deste mais recente filme de Emily Atef, realizadora franco-alemã.
A história centra-se em redor da citada Heléne, que sofre de uma rara doença pulmonar para a qual não há perspetiva de cura.
Heléne está a morrer, mesmo que não haja manifestação evidente da doença. Tal como em "O Tempo que Resta", filme de 2005 de François Ozon, Atef propõe-se, a partir de um diagnóstico definitivo, construir um ensaio sobre como processar o próprio luto perante a mais literal das ameaças existenciais, embora, ao contrário do sugerido no filme de Ozon, em que o protagonista Romain escolhe abraçar a hostilidade para com os que o rodeiam, Heléne pareça passar por um tumulto interno mais discreto.
O comportamento aparentemente antagónico de ambas as personagens, revela, no entanto, um propósito comum – acelerar a degradação das relações pessoais que resulta de uma necessidade de isolamento, sendo que esta solidão não é totalmente auto imposta, mas também envergonhadamente desejada pelo círculo de amigos mais próximos, desconfortáveis com a ideia de conviver com um fantasma em vida ao ponto de se sentirem apudorados por ter de manifestar algum episódio de felicidade pessoal perante Heléne.
Esta ideia de pária social é alimentada por Atef durante o primeiro ato do filme e mantém alguma presença nos atos posteriores, especialmente na relação de Heléne com o marido Mathieu (Gaspard Ulliel) que, embora fisicamente presente e mentalmente disponível, vive numa realidade mundana, movida a possíveis curas e tratamentos, um estado de negação que fica muito longe do lugar existencial em que Heléne se encontra.
A atitude de Mathieu, embora compreensível, é entrópica ao processo que Heléne vive e onde se confronta com uma realidade de que não sairá ilesa, enquanto tenta gerir uma relação com alguém que só quer que tudo fique como dantes.
A notícia de um possível transplante que a poderá salvar, não demove Heléne de viajar até à Noruega, em busca de Bent, alguém que, perante a iminência da morte, viveu para lá das frases de encorajamento e escolheu isolar-se para acomodar a inevitável realidade.
Da degradação da relação amorosa com Mathieu, sustentada por uma ideia de futuro que já não é concretizável, surge a relação de amizade com Bent, assente na cumplicidade com a morte, mas, acima de tudo, numa urgência de autodeterminação pessoal.
Atef tece o filme por cima destas várias dualidades, inclusivamente nas opções estéticas, contrastando o ritmo lento e a pastoralidade das paisagens com o ruído que sentimos na inquietação permanente de Heléne - magistralmente interpretada por Vicky Krieps - dividida entre a responsabilidade que sente perante Mathieu e o conforto que Bent lhe proporciona para que tome as suas decisões sem assomos de moralidade.
A cineasta dirige o filme com a subtileza necessária, tirando partido da excelência da interpretação de Krieps para fazer render a economia narrativa de uma obra que se passa maioritariamente na cabeça da protagonista. Fá-lo com o mérito de evitar a arrogância de construir um manual de autoajuda para contar a história de Heléne que, embora induzida a procurar respostas, parece conduzir-se durante a narrativa até à desconstrução do seu dilema íntimo: se viajou para se preparar para morrer, ou para saber o que fazer se a quiserem devolver à vida?