Cartaz de cinema

Globos de Ouro aprovam mudanças - Hollywood mantém boicote

Publicado em 8 Mai. 2021 às 16:00, por António Quintas, em Notícias de cinema (Temas: Temporada de prémios, Indústria cinematográfica, Cinema Norte-Americano)

Globos de Ouro aprovam mudanças - Hollywood mantém boicote

As mudanças aprovadas quinta feira pela HFPA são insuficientes, consideram o movimento Time's Up e a coligação de mais de 100 agências de relações públicas. A Netflix e a Amazon juntam-se ao boicote.

A Hollywood Foreign Press Association (HPFA) aprovou quinta-feira a lista de mudanças apresentadas três dias antes pela direção. Na carta que acompanhou as propostas - qualificadas de "sérias" e "estruturais" - a liderança dos organizadores dos Globos de Ouro adiantava que se demitiria caso as propostas não fossem aceites e implementadas rapidamente, uma posição em que foram apoiados pelos parceiros que transmitem todos os anos os Globos de Ouro, a NBC e a Dick Clark Productions.

Da lista de mudanças aprovadas faz parte:

  • A admissão de 20 novos membros em 2021, com foco no recrutamento de jornalistas negros.
  • O objetivo de ampliar o número de associados em 50% nos próximos 18 meses.
  • Eliminar a obrigatoriedade de residir no sul do estado da Califórnia, expandindo a hipótese de integrar a HFPA a qualquer jornalista que resida nos Estados Unidos e trabalhe para um meio de comunicação de outro país.
  • São também extintas restrições ao acesso de novos membros, como a necessidade de a adesão ser patrocinada por alguém que já integre a HFPA, bem como o limite anual de novos inscritos e de jornalistas por país.
  • Passa a existir abertura à entrada de jornalistas que não trabalhem para a imprensa escrita.

Foram ainda instituídos novos códigos de conduta - que passam a definir a forma de contactar com os departamentos de relações públicas e impedir o recebimento de prendas, ou incentivos - e estabelecidos padrões de acreditação iguais para todos os associados.

Quanto à gestão corrente da HFPA, passa a ser entregue a uma equipa contratada para o efeito e que incluirá profissionais para o setor financeiro, de recursos humanos, direção executiva e para a melindrosa área da diversidade, igualdade e inclusão.

Reações

Os principais grupos de pressão envolvidos no tema, continuam insatisfeitos com as mudanças propostas pela HFPA.

O movimento Time's Up, através da sua presidente, Tina Tchen, alerta que as medidas aprovadas permitem aos atuais membros da HPFA continuar em maioria, perpetuando os critérios de decisão do passado. Critica ainda a ausência de detalhe nas medidas propostas e a falta de garantias reais de transparência.

A Time's Up trabalha para criar um ambiente de trabalho livre de assédio, pela igualdade de oportunidades para todos os géneros e por mudanças nas relações de poder nas organizações.

Do lado da coligação de 104 empresas relações públicas e agenciamento, persistem dúvidas quanto às datas para as mudanças que, defendem, terão de ocorrer antes do próximo ciclo de atribuição de prémios e garantem que mantêm o boicote a atividades da HFPA até terem garantias de que as suas reivindicações são efetivamente atendidas. São mesmo claros em afirmar que a próxima edição dos Globos de Ouro poderá só ocorrer em 2023, de forma a haver tempo para mudar.

Ted Sarandos, um dos CEO da Netflix e responsável pelos conteúdos do serviço de streaming, que recebeu 42 nomeações e obteve 10 vitórias na 78.ª edição dos Globos de Ouro, em fevereiro, enviou uma carta à HPFA no mesmo dia em que foram aprovadas as medidas de reestruturação. As objeções e dúvidas da Netflix são semelhante às da Time's Up e das agências e junta-se ao boicote afirmando que "interrompe todas as atividades" com a organização por detrás dos Globos, "até que mudanças mais significativas sejam assentes."

Do mesmo lado da barricada está a Amazon Studios, cuja diretora, Jeniffer Salke, veio lembrar que "não voltámos a trabalhar com a HFPA desde que estes assuntos foram levantados e, tal como o resto da indústria, aguardamos por uma resolução sincera e significativa."

Uma longa história de amor e ódio

Durante décadas, esta pequena associação de jornalistas estrangeiros em Hollywood, fundada em 1943, foi acusada de irregularidades, de ser um clube fechado e de um gosto descabido por prendas e regalias por parte dos estúdios, canais de televisão e representantes de atores.

O maior escândalo em redor dos Globos de Ouro datava de 1982 e dizia respeito à vitória de Pia Zadora na categoria de "atriz revelação". Dizem as más línguas que a vitória terá sido comprada pelo marido bilionário da atriz, Meshulam Riklis.

A verdade é que todos alinharam neste jogo e as censuras, aqui como em tantos outros campos na indústria do entretenimento na América do Norte, raramente passaram do ocasional artigo na imprensa norte-americana e da insinuação e piada cínica ao longo da cerimónia dos Globos de Ouro, o grande evento da HFPA e o segundo mais importante da temporada de prémios atrás dos Óscares.

Os movimentos #MeToo e Times'Up, e o regresso das desigualdades raciais ao topo da agenda vieram alterar esta paz podre à moda de  Hollywood.

A 21 de fevereiro, o Los Angeles Times, evidenciou o que toda a gente adivinhava, que nenhum dos 87 elementos inscritos na HFPA é negro. Ao mesmo tempo, regressou ao tema das irregularidades, desta vez não apenas quanto às prendas e viagens oferecidas, mas também sobre pagamentos pouco claros a membros da direção.

Rapidamente, a HFPA prometeu mudanças: contratou um conselheiro em diversidade, uma firma de advogados foi encarregada de auditar e rever políticas, estatutos e formas de admitir novos membros, contactos foram estabelecidos com organizações de direitos civis e de jornalistas negros.

Mesmo assim, Hollywood não gostou e, desta vez, não se calou.

Numa posição tomada a 15 de março, 100 agências de representação de talentos e relações públicas ameaçaram a HPFA de boicote.

Em risco sério estava também o contrato com a NBC e a Dick Clark Productions que emitem e produzem os Globos de Ouro e, na prática, proporcionam toda a visibilidade à associação.

Para piorar a situação, um antigo presidente com oito mandatos à frente da HFPA, o sul-africano Phil Berk, de 88 anos, partilhou com outros membros, elementos do staff e com o advogado e diretor de operações, um texto de crítica ao movimento Black Lives Matter (BLM) e a um dos seus fundadores, Patrisse Cullors. O autor do texto é um comentador da extrema-direita norte-americana que qualifica o BLM como "um movimento de ódio racista" e descreve Cullors como "marxista".

Algumas pessoas que receberam o mail foram lestas a repudiar o gesto de Berk, mas a chegada do caso à imprensa deu mais um valente golpe na frágil reputação do grupo de jornalistas.

Aproveitando a deixa, o conselheiro em diversidade (que nada conseguira de concreto, diga-se) apresentou a demissão e a empresa de aconselhamento estratégico rescindiu o contrato com a HFPA.

Berk foi expulso da HFPA nesse mesmo dia.