Publicado em 14 Jan. 2013 às 23:52, por Samuel Andrade, em Notícias de cinema (Temas: Temporada de prémios)
Breves apontamentos sobre a cerimónia que elegeu "Argo" e "Os Miseráveis" como os melhores filmes de 2012.
O Beverly Hilton foi palco, na passada madrugada, de uma agradável 70ª edição dos Globos de Ouro. A primeira responsabilidade para esse sentimento terá de ir, obrigatoriamente, para Tina Fey e Amy Poehler, duas anfitriãs divertidas, incisivas quanto baste, mas inofensivas quando comparadas com o humor cáustico de Ricky Gervais, nas cerimónias anteriores.
É certo que não deixaram de lançar farpas a nomes como James Cameron (ao referir-se à nomeada Kathryn Bigelow e ao polémico "00:30 A Hora Negra": "no que diz respeito a tortura, eu confio na senhora que esteve casada durante três anos com James Cameron"), James Franco (sobre a interpretação de Anne Hathaway em "Os Miseráveis": "não víamos alguém tão só e abandonada desde que estiveste ao lado de James Franco nos Oscars") e Meryl Streep ("ela não está connosco esta noite, está com gripe – e ouvi dizer que está fabulosa!"), existiram momentos inspirados (o mais memorável terá sido ver Poehler sentada no colo de George Clooney durante o anúncio da sua nomeação para Atriz de Série Musical ou Comédia), mas só o tempo dirá o quanto Fey e Poehler foram inesquecíveis. Ou se apagaram mesmo Ricky Gervais da memória dos espectadores…
Na verdade, o maior (melhor?) momento da noite foi protagonizado por Jodie Foster, durante o seu agradecimento pelo Cecil B. De Mille Award, o prémio de carreira atribuído pela Hollywood Foreign Press Association (HFPA). Extenso, emotivo, contundente e, a certa altura, enigmático, o seu discurso (a transcrição pode ser lida no Los Angeles Times) tocou em todos os aspetos que determinam a carreira de Foster: a sua existência praticamente dedicada ao cinema e à televisão, a importância da privacidade ("quando se é uma figura pública desde bebé, querendo lutar por uma vida honesta e normal, então é preciso valorizar a privacidade acima de tudo"), a maternidade, a sua homossexualidade ("já o tinha assumido há quase cem anos, nos tempos da Idade da Pedra") e a sugestão de uma mudança – ou, para inquietação de alguns, abandono - de carreira. Contudo, e nas suas palavras, "Jodie Foster esteve aqui, continuo aqui, e desejo ser vista, profundamente compreendida e nunca me sentir sozinha".
Mas os Globos de Ouro são, acima de tudo, uma entrega de prémios. Nesse capítulo, a noite foi dominada por "Argo", de Ben Affleck, e pela série "Homeland" nas categorias de cinema e televisão, respetivamente.
Se as estatuetas arrecadadas por "Homeland" eram previsíveis, já os triunfos de "Argo" como Melhor Filme (Drama) e Melhor Realizador constituiram semi-surpresas no seio da atual temporada de prémios de cinema, baralhando ainda mais as contas no que toca aos prováveis vencedores nos Oscars: com Affleck fora dos nomeados para Melhor Realizador, poderá "Argo" ser, e de forma quase inédita (em 80 anos, apenas "Miss Daisy", em 1990, alcançou esse feito), eleito Melhor Filme sem a indicação do seu cineasta?
Apesar de os Globos de Ouro não serem um indicativo seguro do desfecho dos Oscars da Academia, as conquistas nos prémios de interpretação são, todavia, uma pista para os principais candidatos deste ano. Daniel Day-Lewis (por "Lincoln", no lado dos dramas) e Hugh Jackman (por "Os Miseráveis", nos musicais ou comédias), Jessica Chastain (por "00:30 A Hora Negra" entre as atrizes em papéis dramáticos ) e Jennifer Lawrence (por "Guia Para Um Final Feliz", melhor atriz na área das comédias ou musicais), Christoph Waltz (Ator Secundário por "Django Libertado") e Anne Hathaway (Atriz Secundária por "Os Miseráveis") colocam-se na frente da corrida pelos Oscars.
E parece que sempre teremos mesmo de contar com Quentin Tarantino. No mínimo, pelo argumento de "Django Libertado", premiado na passada madrugada pela HFPA, naquele que terá sido o anúncio menos esperado da cerimónia.
Os Globos de Ouro continuam a ser a principal festa, despretensiosa e a beirar o tom informal, de Hollywood, à qual ninguém se importa perdoar alguns erros técnicos (avarias no teleponto, o ruído da sala quase a sobrepor-se ao discurso dos apresentadores) quase impensáveis para um evento desta importância.
Mas ninguém imagina outra celebração do star system onde se possa ver Bill Clinton a apresentar "Lincoln" como nomeado a Melhor Filme Drama, rir com Glenn Close a simular um peculiar estado de embriaguez e ficar abismado com Quentin Tarantino a cuspir champanhe por cima da carpete do Beverly Hilton Hotel.
Sim, tudo isto aconteceu durante a 70ª edição dos Globos de Ouro. Apesar de todas as críticas, a gala da HFPA proporciona sempre um espectáculo totalmente irresistível.