Publicado em 20 Oct. 2025 às 09:46, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia, Cinema Asiático)
Após brilhar em Cannes e Annecy, "Gato Fantasma Anzu" traz aos cinemas portugueses a delicadeza e o lirismo característico do estúdio Ghibli. Entre o real e o onírico, a animação de Yoko Kuno e Nobuhiro Yamashita explora a dor da perda e o poder redentor da fantasia, ainda que à sombra dos clássicos de Miyazaki.
Após passagens por Cannes e Annecy em 2024, chega às salas de cinema portuguesas "Gato Fantasma Anzu", uma nova produção dos consagrados estúdios Ghibli. Produzido sob a batuta dos realizadores Yoko Kuno e Nobuhiro Yamashita através da técnica de rotoscopia - isto é, reproduzindo para animação frames geradas por live action - "Gato Fantasma Anzu" é um filme que não se atreve a afastar-se do pathos tradicionalmente proposto pelas produções Ghibli.
De facto, também neste mais recente trabalho de Kuno e Yamashita há uma evocação da fórmula emocional dos clássicos de Hayao Miyazaki, na particularidade de juntar harmoniosamente o natural com o onírico, e na clara separação entre o mundo dos adultos e o das crianças, fronteira que se traça logo nos primeiros momentos do filme quando Karin, uma menina de onze anos órfã de mãe, é abandonada pelo pai, perseguido por agiotas, aos cuidados do avô que vive numa remota aldeia habitada por espíritos.
Para lá do sentimento de abandono, Karin vive angustiada com a ideia de não poder rever a mãe e preocupada em cumprir os rituais necessários para manter a sua memória viva, situação a que o pai também se mantém alheio. Esta cisão entre os universos infantil e adulto é o motivador que leva a que o filme entre numa lógica de refúgio, materializado num universo povoado por criaturas fantásticas e capazes de interpretar as angústias dos protagonistas, um conceito já explorado por Myiazaki no incontornável "Totoro".
É, de facto, muito complicado separar "Gato Fantasma Anzu" das suas referências, embora Anzu, o gato que ajudará Karin a superar o seu isolamento emocional, seja em tudo diferente do pachorrento Totoro. Anzu é uma criatura com características não necessariamente lisonjeiras – embora generoso, é dado às materialidades mais atribuíveis a seres humanos que a entidades divinas, ou supra-humanas. Ainda assim, é através da relação com Anzu – relação essa que o filme tarda em consolidar – que Karin consegue chegar ao mundo dos mortos e conviver mais uma vez com a mãe. Quando Karin entra neste universo paralelo, é inevitável viajarmos de "Totoro" até uma outra clássica referência do catálogo Ghibli, "A Viagem de Chihiro", ainda que sem o mesmo nível de brilhantez e feito de uma forma muito mais atabalhoada e previsível.
Não falta a "Anzu Gato Fantasma" apenas a mestria para se conseguir livrar dos seus antepassados – algo que Kuno e Yamashita poderiam facilmente almejar dada a personagem fantástica que criaram – mas, também, assumindo que a intenção fosse de facto a hommage, conseguir dar à história uma dimensão de epopeia que as suas referências tão bem exploraram. Com Chihiro vivemos uma vida inteira. Com Karin, na melhor das hipóteses, passámos uma tarde de domingo.