Publicado em 8 Nov. 2024 às 17:23, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia, Cinema Português)
O realizador português Diogo Costa Amarante faz a sua estreia em longas-metragens com um filme equilibrado e bem conduzido que explora as ansiedades e inseguranças de três gerações da mesma família.
A estreia de Diogo Costa Amarante nas longas-metragens com "Estamos no Ar", apresenta um cineasta à procura de consolidar um traço autoral que já parecia apurar nos seus trabalhos anteriores - em particular na mais recente curta, "Luz de Presença" –, assentado numa estrutura de pequenas narrativas criadas através da construção cuidada de planos e "tableaus" – que podemos considerar evocativos de Kaurismäki, na forma como permite que a luz inunde a moldura - ou de Almodóvar - no envergonhado, mas certeiro flirt com o kitsch (embora neste particular, nos venha também à mente um Fassbinder em registo moderado, ou as propostas estéticas do cinema mais atual do francês Yann González).
É nesta atmosfera visual, à qual muito ajuda o bucolismo urbano da cidade do Porto, que pairam as personagens de "Estamos no Ar" - Vítor, Fátima e Júlia – três gerações da mesma família cujas vidas apenas se tocam ao de leve.
De facto, Amarante dispõe os protagonistas como figuras quase espectrais, criaturas que habitam num torpor emocional, divididas entre a urgência de pertencer ao mundo real e a ansiedade perante a possibilidade de que esse mesmo mundo os note e absorva.
Não obstante, embora deambulem por um torvelinho existencial, são personagens movidas por razões prosaicas – Vítor que esconde as inseguranças criando outra identidade perante o rapaz por quem se apaixonou, Júlia que contorna o luto recente pelo marido mantendo o diálogo com o defunto através da amiga com quem partilha residência, e Fátima, que fantasia com o vizinho da frente e em quem intuímos uma rebelião perante a ideia da perda de juventude.
É precisamente na gestão destas dicotomias que o filme mostra a sua maior valência, abordando a solidão como um tumulto interno, uma vertigem pela alienação que não contradiz a luta a que as personagens se entregam para se manterem à superfície, procurando-se mediante uma secreta validação de outros.
Numa certa dimensão, o filme parece querer explorar esta ideia de relação entre a solidão e a busca pela regeneração da autoestima, acentuando-a através da dualidade entre os protagonistas e os seus objetos de desejo.
Após negar inicialmente a possibilidade de que estes sejam seres pensantes envolvidos num processo semelhante de alienação interna, o filme esbate essa barreira à medida que evolui e que nos é permitindo um vislumbre dessas personagens para lá da objetificação. De facto, este processo de humanização que Amarante possibilita às suas personagens, encaixa num padrão que se dirá deliberado, no compromisso que o cineasta assume ao dar-lhes uma saída digna, tratando um tema tão delicado de forma optimista, mas sem ceder a paternalismos.
Pontuado por um elenco sólido, do qual é inevitável destacar Sandra Faleiro, "Estamos no Ar" revela um autor com uma sensibilidade e subtileza particulares para entrar no íntimo da psique humana sem ceder à tentação voyeurista. A estreia promete. Aguardemos pelos próximos capítulos.