Cartaz de cinema

Diário do Curtas de Vila do Conde 2021: balanço final

Publicado em 27 Jul. 2021 às 02:37, por Pedro Sesinando, em Notícias de cinema (Temas: Festivais de cinema)

Diário do Curtas de Vila do Conde 2021: balanço final

Fim em festa com "Diários de Otsoga" e algumas notas gerais sobre a edição 2021 do festival.

Os comentários de "já não há bilhetes" ouvidos à porta do Teatro Municipal de Vila do Conde iam confirmando a suspeita de que "Diários de Otsoga" de Miguel Gomes e Maureen Fazendeiro era, de facto, o momento mais aguardado do festival. Perante uma plateia entusiasmada e um palco preenchido com os protagonistas e demais participantes do filme, Miguel Gomes discursava sobre as circunstâncias da rodagem, o desafio de filmar sem argumento, o filme como pretexto para contornar o distanciamento social e estar com a sua gente. O público reagiu a tanta sincera emotividade e isso contribuiu para que o filme tenha tido uma recepção calorosa e uma ovação que começou espontaneamente assim que os créditos finais se assomaram na tela.

As primeiras páginas de "Diários de Otsoga" começam exactamente nos últimos dias, em que a ficção imaginada já está a ser encenada. Esta fase do filme é um pouco indefinida, com repetições de texto por diferentes personagens em diferentes cenários. São estes apontamentos, nem por isso demasiado subtis, que nos levam à ideia de que estamos numa ficção de um processo, meta-cinema, para usar o termo que Miguel Gomes de alguma forma pareceu querer evitar no seu discurso.

À medida que os dias passam (ou recuam, já que o filme é contado em cronologia invertida) a ficcionalização do processo torna-se mais evidente e o filme ganha alguma tracção, dando-nos diálogos bastante entretidos e escolhas de realização interessantes. Exemplo deste último ponto, a cena em que Mariana Ricardo entra num monólogo na tentativa de esclarecer os actores de que o processo é um fim em sim mesmo, até que a câmara se desliga desta divagação para se focar num plano de acção secundário em que uma rapariga executa tarefas de quotidiano. Por outro lado, "Diários de Otsoga" não resiste a alguns gags mais fáceis, talvez na tentativa de sair de alguma letargia que até fica bem ao filme, não conseguindo eu, enquanto espectador, evitar sentir-me manipulado de alguma forma. Em suma, é um filme a ser visto, mas que pode pecar por excessivamente datado. Não estou seguro de que, daqui a cinco anos, teremos paciência, ou interesse, em ver filmes que ficcionam criar cinema em tempos de pandemia.

E, terminado o Festival, o inevitável balanço. Talvez a primeira palavra deva ir para o Festival em si, para a forma como conseguiu atrair tanto público em circunstâncias complicadas e com uma oferta de cinema tão particular.

O grande trunfo desta edição foi mesmo o conteúdo, a programação e a solidez das rubricas que apresentou. Destaque para o "New Voices" que se dedicou a retrospectivar cineastas com carreiras curtas, mas dos quais, seguramente, ainda iremos ouvir falar. Destaco aqui dois nomes, o iraniano Ali Asgari e a grega Jacqueline Lentzou.

Também uma palavra para a Competição Experimental que, ao contrário do que eventualmente se poderia prever, trouxe-nos mais do que apenas estudos de cor e exercícios de estilo. Alguns dos conteúdos mais interessantes deste festival saíram desta secção que surpreendeu, de facto, ao contrário da competição internacional cuja qualidade geral não entusiasmou.

Para o fim, o destaque para a qualidade da secção dedicada à competição nacional. Tivemos alguns realizadores que apresentaram no Curtas as suas primeiras obras, algumas com uma solidez considerável para um filme de estreia. Escusando-me a referir nomes já, de certa forma, consagrados, destacaria Rosa Vale Cardoso e Ana Mariz. Fiquemos atentos ao que nos trarão no futuro.