Publicado em 20 Jul. 2023 às 16:08, por Pedro Sesinando, em Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia, Festivais de cinema)
Balanço de um festival onde a competição portuguesa soube a pouco e o cinema francês provou a sua vitalidade. Tudo sublinhado pelas retrospetivas dos excelentes Deborah Stratman e Radu Jude.
Não seria possível chegar à edição de 2023 do Curtas de Vila do Conde sem ter as expectativas marcadas pela edição do ano anterior, em particular no que à Competição Nacional diz respeito, se nos recordarmos que o merecidamente mediatizado "Ice Merchants" foi consagrado como a melhor curta nacional do certame.
Talvez fosse prematuro esperar algum impacto do filme de João Gonzalez apenas um ano depois, mas a verdade é que a produção nacional não conseguiu estar à altura do ano transacto. Há, sem dúvida, honrosas excepções, desde logo os vencedores "Natureza Humana", de Mónica Lima, e "2720", de Basil da Cunha, que têm, em especial este último, tudo para conseguir vida além Vila do Conde.
Também merecem referência os trabalhos de António Pinhão Botelho, "Blackpot", a partir de Dinis Machado, que contou com um forte elenco e uma produção bastante mais sofisticada que a dos seus pares; ou "Vapor" de Susana Abreu, que, embora ainda navegue a estética do exercício de estilo desperta curiosidade para os seus futuros trabalhos.
Voltemos aos inefáveis e, quem sabe, injustos, termos de comparação para referir que parece ter-se alargado o fosso entre a Competição Nacional e a Internacional. De resto, nesta secção, foram muitas as propostas interessantes levadas a concurso, com destaque para a produção francesa que chegou em abundância e diversidade.
Do absurdo apocalíptico de "Les Algues Maléfiques", ao tormento existencial de "Mimi de Douarnenez", passando por "Le Sexe de Ma Mére", filme de animação de humor oscilante entre o negro e o infantil, o cinema francês, a julgar pelas curtas, tem muitos caminhos por onde se desdobrar.
Referência ainda para a vencedora da melhor ficção, a curta franco-polaca, "J"ai vu le visage du diable" de Julia Kowalski, que se mascara de filme de terror para retratar a angústia de uma jovem a debater-se com a sua própria sexualidade num meio social dominado pelo obscurantismo religioso e "Il Compleanno di Enrico", vencedor da secção Internacional, um ensaio autobiográfico sobre os mecanismos da memória, cortesia do italiano Francesco Sossai.
As já habituais retrospectivas são um dos grandes trunfos do festival, não sendo excepção a edição de 2023, que permitiu ao público do Curtas, através da secção InFocus, conhecer, ou recordar, as carreiras de Deborah Stratman e do romeno Radu Jude, dois cineastas tão distintos na sua obra como interessantes.
De Jude, discípulo de Cristi Puiu, talvez o grande nome do cinema romeno actual, conseguimos ver uma obra sólida desde o primeiro trabalho e, acima de tudo, uma assinatura estética e um compromisso com o realismo social que o torna um dos autores europeus a ter em conta no futuro próximo. Para já, se "Bad Luck Banging or Loony Porn" é uma amostra do que Jude pode fazer no universo das longas metragens, as expectativas, sempre elas, estão em alta.
Nota final ainda para a sessão de encerramento, onde estreou em solo nacional o muito aguardado novo filme de Kléber Mendonça Filho, "Retratos Fantasmas", que percorrerá o resto do país nas próximas semanas.