Publicado em 13 Jul. 2023 às 22:17, por Pedro Sesinando, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: O Espírito da Colmeia)
A inspirada curadoria da cineasta permitiu aos espectadores em Vila do Conde a possibilidade de ver excelentes obras de Barbara Loden, Agnés Varda, ou Lizzie Borden.
A Carte Blanche atribuída a Deborah Stratman para fazer a curadoria das sessões da secção do Curtas tem-se revelado uma particular bênção num festival já de si bem programado. Para além de "Wanda", de Barbara Loden, e "Sans toi ni loi" de Agnés Varda, o bom gosto de Stratman ofereceu aos espectadores em Vila do Conde a possibilidade de ver em tela "Born in Flames", obra maior de Lizzie Borden e representativa de um cinema vanguardista e engagé da contra cultura nova iorquina.
O filme, apresentado sobre um estilo oscilante entre o documental e a ficção, sugere uma Nova Iorque distópica, que festeja o décimo aniversário de uma revolução cultural e política cuja retórica assenta na igualdade de género.
Apesar dos esforços propagandísticos do governo em funções, a discriminação racial, sexual e de género continua a manifestar-se, na prática, fazendo crescer movimentos que atacam e denunciam estas desigualdades estruturais por acção directa, ou comunicando através de rádios clandestinas.
Borden, para além do óbvio tom feminista, faz uso de uma estética assumidamente punk, direita ao assunto, sem grande complexidade narrativa ou evolução das personagens, algo essencial para reforçar as principais ideias do filme: como as manifestações discriminatórias de classe podem prevalecer e mesmo florescer no rescaldo do derrube de outros preconceitos e, acima de tudo, como transformar um descontentamento individual num movimento colectivo de relevância política, fazendo convergir uma pluralidade de vozes e experiências – ideia essa tão transparente na personagem de Zella Wylie, interpretada pela activista Florynce Kennedy, numa espécie de caricatura de si própria.
Mais além da Carte Blanche de Deborah Stratman, o Curtas prosseguiu com sessões dedicadas à Competição Internacional de Curtas, de onde destaco "The Veiled City" de Natalie Cubides-Brady, um manifesto ecológico que a realizadora idealizou a partir de imagens de arquivo relativas ao fenómeno que ficou conhecido como "The Great Smog of London", em 1952. Com uma narração contada a partir do futuro, Cubides-Brady denuncia a indolência da humanidade perante os fenómenos de poluição, como uma doença de manifestação lenta cuja cura vai sendo adiada por falta de sintomas visíveis.
Numa nota totalmente oposta está "Power Signal" de Oscar Boyson, produção que destoa da restante oferta do Curtas pela sofisticação da produção, a um nível digno de série de operador de streaming. Aparte os efeitos especiais e a já batida referência a extraterrestres que vivem clandestinos entre nós, "Power Signal" tem um interessante subtexto sobre a precariedade associada à gig economy nos grandes centros urbanos e de como a moral tem um preço, em particular quando a barriga está vazia.