Cartaz de cinema

Cinema e literatura em Olhão a partir de quarta-feira

Publicado em 13 Jul. 2020 às 10:38, por filmSPOT, em Notícias de cinema (Temas: Festivais de cinema)

Cinema e literatura em Olhão a partir de quarta-feira

A segunda edição do FICLO - Festival Internacional de Cinema e Literatura de Olhão decorre entre 15 e 21 de julho.

Arranca quarta-feira a segunda edição do FICLO - Festival Internacional de Cinema e Literatura de Olhão. Entre 15 e 21 de julho, o Algarve serve de casa ao primeiro festival de cinema a regressar às salas depois do período de confinamento imposto pela pandemia.

A programação inclui seis estreias nacionais, um ciclo de clássicos do cinema italiano, uma retrospectiva sobre a obra do cineasta espanhol Albert Serra e actividades paralelas que completam o quadro de ligações entre literatura e sétima arte.

Serão 28 os filmes exibidos no Auditório Municipal de Olhão, Algarcine e República 14. Este ano há ainda a novidade das sessões de cinema ao ar livre a decorrerem todos os dias pelas 21h30.

A competição internacional integra nove obras de produção recente:

"Las Niñas Bien", de Alejandra Márques Abella (México)

Retrato de uma classe alta, arrogante, que luta para manter o seu estatuto após o início de uma crise económica no México nos anos 80 e que, em palavras da realizadora, "embora tenha acontecido há 30 anos, oferece um retrato muito actual". Inspirado no romance homónimo de Guadalupe Loaeza, o filme conta a história da queda em desgraça de Sofia Garay, uma das mulheres que faz parte desta elite económica. Os numerosos espelhos em semicírculo reflectindo Sofia Garay são um exemplo de como Alejandra Márquez Abella, de forma magistral, traduz visualmente o problema da dissociação e da falta de identidade da protagonista do romance. Uma narrativa fílmica interceptada por um monólogo interior delirante que acaba em sons indecifráveis.

"Fortezza", de Ludovica Andò e Emiliano Aiello (Itália)

Entre a ficção e o documentário, "Fortezza" foi filmado dentro da prisão de Civitavecchia com os presos como protagonistas e co-autores. Trata-se da reinterpretação de um dos romances mais importantes da literatura escrita em língua italiana do século XX: "O Deserto dos Tártaros" de Dino Buzzati. Três soldados chegam a uma guarnição militar solitária que já não tem nenhuma função defensiva. Três soldados esperam em vão por um inimigo que não chegará. Aqui, o tempo está parado e marcado por regulamentos estritos junto a uma ociosidade exasperante. Face à atracção que este lugar exerce neles, vivem com a apreensão de dar sentido ao seu confinamento. Quem está dentro, de alguma maneira, não pode sair, e quem sai nunca será completamente livre.

"Il Était Un Petit Navire", de Marion Hänsel

Inspirada por um internamento hospitalar prolongado, a realizadora conduz o espectador por um retrato íntimo, desde a sua infância até à actualidade, criando um exercício poético de pessoas, acontecimentos, cidades e histórias que moldaram a sua vida. "Il Était Un Petit Navire" é um ensaio poético a partir da evocação das suas memórias.

"Out Stealing Horses", de Hans Petter Moland (Noruega, Suécia, Dinamarca)

Adaptação do popular romance homónimo de Per Petterson, esta é uma história que oscila entre 1943, 1948, 1956 e 1999. Trond, um homem de 67 anos, escapa-se para uma cabana para passar um Natal tranquilo. Vê o seu plano frustrado quando encontra o vizinho que se revela a recordação viva de um tempo que marcou especialmente a sua vida. O filme é salpicado por uma série de flashbacks de anos passados. Não é um acaso que Dickens seja o escritor preferido de Trond. Tal como o fantasma em "Christmas Carol" força o personagem a examinar a sua vida, este vizinho aparece e desaparece como um ser fantasmagórico do passado, exercendo o mesmo efeito no protagonista.

"Adoration", de Fabrice du Welz (Bélgica/França)

Paul, um rapaz solitário de 12 anos, mora com a mãe na instituição psiquiátrica onde ela trabalha desde que o pai dele os abandonou. Quando a fascinante Glória chega à instituição, Paul apaixona-se imediatamente por ela. Sente-se tão loucamente apaixonado que, apesar do perigo, foge com ela para a ajudar a chegar a um lugar a que ela chama "refúgio de paz". Dois adolescentes em fuga de um mundo adulto hostil para um lugar inacessível. Adoration é a última parte da "Trilogia das Ardenas", iniciado com Calvaire (2004) e seguido por Alleluia (2014). É um conto cru e poético sobre o amor, sobre a loucura e a fé. Uma viagem ao coração das trevas, ao longo de um rio que, às vezes, é real, e, às vezes ilusório, um rio que se desloca lentamente em direcção a "um país onde nunca se pode chegar". Trata-se de um conto de fadas moderno, mas com a dureza dos contos tradicionais.

"Tantas Almas", de Nicolás Rincón Gille (Colômbia)

Após uma longa noite de pesca, José regressa à sua casa nas profundezas da floresta para descobrir que forças paramilitares lhe mataram os filhos, Dionísio e Rafael, e deitaram os corpos ao rio. José inicia uma viagem solitária para os recuperar e sepultar os seus corpos, a fim de impedir que as suas almas atormentadas fiquem presas neste mundo. A bordo da sua canoa, José descobre a magia de um país dilacerado. A ideia de fazer este filme nasceu em 2008, quando Nicolás Rincón Gille estava a fazer trabalho de campo para o seu documentário Los Abrazos del Río (2010). A violência paramilitar tinha devastado aquela zona da Colômbia, e o realizador decidira viajar pelo rio Magdalena, recolhendo testemunhos. Foi aí que Rincón Gille percebeu que contar histórias era uma maneira de reorganizar o mundo e de recuperar parte do que a violência roubara. Valley of Souls tenta transmitir a bela energia que surge de um homem que perdeu tudo, excepto a sua capacidade de acreditar. É a viagem heróica de um pescador.

"Longa Noite", de Eloy Enciso (Espanha)

No pós-guerra civil espanhol, Anxo regressa à sua vila no interior da Galiza. Uma vez ali, cruza-se com outros personagens, vencedores e vencidos de uma Espanha dividida: uma viúva que não se quer lembrar, um comerciante que emigra, um prisioneiro republicano que descreve o seu calvário. A entrega de uma carta obriga Anxo a cruzar a fronteira e a entrar na Longa Noite Franquista. Os fantasmas que todos pensavam estar esquecidos invadem o presente. Um retrato do impacto íntimo de uma guerra atravessada pela sua memória literária: Max Aub, Luis Seoane, Alfonso Sastre, Ramón de Valenzuela e Rodolfo Fogwill.

"I Do Not Care If We Go Down in History as Barbarians", de Radu Jude (Roménia, Alemanha, Bulgária, França, República Checa)

Radu Jude parte para os seus filmes com um olhar crítico sobre o passado de forma a estimular o pensamento do espectador, e este filme não escapa a isso. "I do not care if we go down in History as barbarians" (É-me indiferente que fiquemos na História como bárbaros): estas palavras proferidas no Conselho de Ministros romeno por Ion Antonescu, no Verão de 1941, deram início à limpeza étnica, que levou à morte centenas de judeus. A investigação histórica, filosófica e literária de um acontecimento brutal, onde Jude leva o teatro para o cinema, com a reconstituição do massacre de Odessa, confronta-nos com a instrumentalização da memória histórica ou a falta dela. A protagonista Mariana Marin discorre junto das suas relações quotidianas (pessoais e profissionais) sobre uma série de citações e referências que vão de Hannah Arendt a Walter Benjamin ou Wittgenstein.

"Campo", de Tiago Hespanha (Portugal)

Nos arredores de Lisboa, fica a maior base militar da Europa, e é a partir de toda a vida que pulula nesse campo que Tiago Hespanha nos oferece um documentário ensaístico sobre o círculo da vida. Narrado pelo próprio realizador com referências que vão da mitologia clássica à astronomia, conta com textos de Franz Kafka, Alberto Caeiro ou Carl Sagan.

Este ano, o FICLO leva ainda a cabo uma retrospetiva integral da obra do espanhol Albert Serra, começando por "Honor de Cavalleria" (2006), livremente inspirada nas personagens de Miguel de Cervantes; "El Cant dels Ocells" (2008), que vai beber à Bíblia; "Historia de la meva mort" (2013), com foco em Casanova e Drácula; "La Mort de Louis XIV" (2016) que se inspira nas Memórias de Saint Simon, e terminando no seu mais recente filme "Liberté"" (2019). A programação de cinema da segunda edição do FICLO lança um olhar especial para o cinema italiano, com uma selecção que traça uma rota por alguns dos mais relevantes movimentos literários do pós-guerra e do século XX. "Viaggio in Italia" (1954), "Paisà" (1946), "Morte a Venezia" (1971), "L"avventura" (1960) e "La trilogia della vita" serão algumas das propostas exibidas em Olhão.

Fora da tela, o FICLO vai ainda instalar uma livraria no Mercado das Frutas e Legumes de Olhão. Para além de livros de teoria do cinema, a livraria conta com títulos de literatura e ensaio, muitos dos quais se inspiram, ou baseiam nos filmes que compõem a programação do Festival.

O programa do evento propõe ainda passeios fílmicos em parceria com a Love Tuk Olhão, assim como caminhadas performativos desenvolvidas pelos artistas Isadora Alves e Bruno Humberto.

A completar o calendário de actividades paralelas serão ainda organizadas conversas com realizadores e masterclasses.

A programação completa, assim como as informações sobre reservas e preços de bilhetes podem ser consultadas no site do evento.

 

Foto: "I Do Not Care If We Go Down in History as Barbarians"