Publicado em 9 Apr. 2025 às 10:16, por António Quintas, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: Cinema Asiático)
Em "Cão Preto", Guan Hu afasta-se dos épicos heroicos para relatar a história de uma cidade condenada pelo progresso e de um ex-presidiário que encontra uma inesperada redenção.
Guan Hu tem oscilado entre o cinema oficial, com grandes orçamentos e temas heroicos que ecoam os ideais do velho regime chinês, e projetos mais refinados e pessoais.
"Cão Preto" inscreve-se nessa última categoria. Revisita os anos do desenvolvimento económico acelerado e da mudança para o capitalismo de estado assumido pela República Popular da China nas décadas recentes, mas vira a lente da câmara para a periferia desse processo, uma cidade remota no noroeste do país que tem o deserto de Gobi como vizinho selvagem, hostil e belo.
O protagonista é Lang, que regressa em liberdade condicional após ter estado na prisão por um caso de homicídio involuntário. Celebridade local como músico de rock nos anos 90 e motociclista, fã dos Pink Floyd (que autorizaram, num gesto inédito e após receberem uma carta do realizador, o uso dos seus temas) Lang chega a uma metrópole decrépita, abandonada pela maioria dos habitantes, pronta a ser demolida para dar lugar a um novo projeto de desenvolvimento urbano e económico.
Ao mesmo tempo, Pequim prepara-se para os Jogos Olímpicos de 2008 e anuncia-se um grande eclipse solar, particularmente visível nas paisagens abertas do deserto de Gobi.
Sem trabalho, Lang junta-se a um grupo informal de caçadores de cães vadios que vagueiam por toda a parte e ameaçam os poucos residentes. O que oferece o prémio de captura mais elevado é um galgo preto suspeito de morder pessoas e que poderá ter raiva. Durante a operação, Lang é atacado pelo animal. Homem e cão isolam-se por dez dias à espera de saber se estão doentes.
Estabelecem-se laços. A agressividade desaparece. Está construída a premissa do filme.
É na gestão do que vem a seguir que "Cão Preto" vacila.
Guan Hu acerta no estilo. Os longos planos panorâmicos do deserto e da cidade. A opção recorrente de deixar a câmara à distância. Os tons cromáticos depurados, a meio caminho entre a nostalgia de um tempo que se foi e a frieza rude de sítios e personagens. A personagem quase muda de Lang, interpretada na perfeição por Eddie Peng, a refletir os traumas nunca referidos do cárcere e a progressiva mudança na relação com o cão, a sua recusa em alinhar no embrutecimento coletivo que o cerca.
Contudo, "Cão Preto" perde-se ao abusar de simbolismos, ao introduzir um elemento romântico que nada acrescenta e distrai do foco central do filme. Os tiques que soam ao cinema comercial chinês prejudicam o conjunto de uma obra que, ainda assim, tem matéria e intenções fortes o suficiente para justificar ser visto.
2024 | Drama | 116 min
Com Eddie Peng Yu-Yan, Tong Liya, Jia Zhangke
Realização Guan Hu
Class. etária M/14
Estreia em Portugal 10 Apr. 2025
Distribuidor Leopardo Filmes