Cartaz de cinema

Autoridades chinesas suspendem estreia de filme que custou 70 milhões de euros

Publicado em 26 Jun. 2019 às 10:47, por António Quintas, em Notícias de cinema (Temas: Indústria cinematográfica, Cinema Asiático, Bastidores)

Autoridades chinesas suspendem estreia de filme que custou 70 milhões de euros

O regime está a aumentar a censura sobre a indústria cinematográfica em vésperas do 70º aniversário da criação da República Popular da China.

Custou 70 milhões de euros a produzir, estava previsto para a abertura do festival de cinema de Xangai e tinha estreia marcada na China a 5 de julho. Agora, nada disso irá acontecer.

Numa declaração publicada na terça-feira, a Huayi Brothers Media, o maior estúdio privado chinês, informa que: "após consulta entre a equipa de produção e outras entidades, cancelámos a estreia do filme 'The Eight Hundred' e disponibilizámos temporariamente a janela de lançamento no verão. Uma nova data de estreia será anunciada mais tarde".

Uma semana antes, o filme do realizador Guan Hu fora retirado da sessão de abertura do Festival Internacional de Cinema de Xangai devido a "razões técnicas".

Primeira produção chinesa filmada em IMAX, "The Eight Hundred" contou com a ajuda de conhecidos técnicos de Hollywood, incluindo Tim Crosbie (X-Men: Days of Future Past), supervisor de efeitos especiais nomeado para um Oscar, e o experiente coordenador de cenas de ação Glenn Boswell ("The Matrix", "The Hobbit"). A história passa-se em 1937, em plena invasão japonesa, quando um grupo de poucas centenas de soldados, desertores e meros civis, defenderam um armazém contra forças nipónicas bastante mais numerosas, permitindo ao exército chinês retirar de forma ordenada para o oeste do país.

Aparentemente, nada de diferente de outros grandes épicos heroicos. Mas dois detalhes podem ter traçado o destino do filme, de acordo com leituras da imprensa independente chinesa.

O South China Morning Post revela as críticas a que "The Eight Hundred" foi submetido a 9 de junho, na reunião de um organismo dependente do aparelho de censura e propaganda do estado: primeiro, as forças que resistiram ao invasor pertenciam ao exército nacionalista, o Kuomintang, de Chiang Kai-shek, e não ao Partido Comunista de Mao Tse-tung. Depois, aproxima-se o 70º aniversário da criação da República Popular da China e o regime julga ser "inapropriado" lançar um filme que, de alguma forma, glorifica os opositores políticos.

Este cerco à produção cinematográfica começou há um ano, quando a censura e a regulação deixara de estar entregues a um orgão independente e passaram para o Departamento de Propaganda do Partido Comunista.

O governo chinês, parece sensível a qualquer grão de areia que possa, mesmo que remotamente, dar a ideia de oposição e revolta, sobretudo numa altura em que a agitação social em Hong Kong, devido à nova lei de extradição, tem chegado às primeiras páginas dos jornais e aos ecrãs de televisão de todo o mundo.

No SupChina, outro orgão noticioso fora da esfera do Partido Comunista Chinês, o tom é jocoso. Num artigo que tem como título: "Antevisão da censura de filmes no verão de 2019: o que você não verá nas salas de cinema chinesas", referem outra longa-metragem recente que viu a estreia ser suspensa. "Better Days", de  Derek Tsang, olhar melancólico e, por vezes, violento, sobre a vida pessoal de uma estudante de 18 anos, foi retirado do cartaz apenas três dias antes da estreia. Em fevereiro, o filme tinha sido removido do festival de Berlim, por ordem das autoridades chinesas.

O mesmo destino coube a "One Second", drama passado durante a Revolução Cultural, de Zhang Yimou, previsto para a secção competitiva da Berlinale.

Outras produções tiveram mais sorte e sobreviveram apenas com alterações no título. O caso do filme "O Último Desejo" que passou a chamar-se "O Grande Desejo"; ou da série de televisão "Lágrimas de Um Rio Triste" foi rebaptizada "O Fluir de Tempos Maravilhosos", apesar de o tema ser o bullying nas escolas.