Publicado em 23 Set. 2023 às 19:38, por António Quintas, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: Estreias)
Em "O Sol do Futuro", o realizador italiano vai ao encontro de filmes passados, de temas e obsessões recorrentes, e acaba por encenar uma homenagem aos seus atores, numa marcha para o futuro.
"O Sol do Futuro" resume a obra de Nanni Moretti, mas está longe de se esgotar numa viagem nostálgica. Num filme onde o italiano manipula o passado, a ironia caminha de mãos dadas com o sentimento e a política.
Podemos encará-lo como uma súmula onde os iniciados nas "morettices" identificarão referências, rostos e situações; ou como um conjunto de pistas a partir das quais se pode descobrir um dos mais originais e interessantes cineastas italianos dos últimos 50 anos.
Aqui, múltiplos planos narrativos são habilmente entrelaçados e a realidade cinematográfica cruza-se com a imaginação e o sonho.
O avatar ao serviço de Moretti é Giovanni, um realizador que encontra conforto no passado e em certas rotinas, mas que a todo o momento se irrita com um presente que começa a desconcertá-lo.
Através desta outra tradição "morettiana" - a presença do realizador como protagonista que canaliza o discurso - ressurge o cantar desafinado, o ódio pela violência gratuita, a aversão a certos tipos de calçado, a pastelaria e os doces, a natação, o jeito para dar uns toques na bola, todos pontos reconhecíveis da mitologia que o realizador construiu.
Giovanni está a rodar um filme que decorre em 1956, num bairro popular da periferia de Roma. A luz elétrica acaba de ser inaugurada na presença dos militantes da célula local do Partido Comunista Italiano (PCI) e do seu dirigente, Ennio (Silvio Orlando) editor do L'Unita, órgão oficial do partido.
No mesmo dia, chega um circo húngaro em digressão. Em Budapeste, começa a primeira grande insurreição contra as ditaduras do bloco soviético. A URSS intervém. Os tanques do Pacto de Varsóvia invadem as ruas e dá-se um banho de sangue que esmaga a revolta.
Grande parte dos militantes observa incrédula. Para eles, é a primeira grande quebra da utopia socialista. Começa a tensão entre as bases e as elites dirigentes do partido sobre a posição a tomar face à repressão feroz da URSS. A militância quer uma condenação firme e a cisão com os soviéticos, a cúpula prefere manter-se fiel à linha oficial que elogia e defende a intervenção.
Enquanto dirige o filme, Giovanni depara-se com as incertezas da mulher, Paola (Margherita Buy), que é também a sua produtora, e com a relação da filha com um homem bastante mais velho.
Tudo parece estar contra ele. As rotinas quebram-se. O dinheiro esgota-se. Paola decide produzir o filme violento de um jovem realizador apoiado por capital sul-coreano.
Ao mesmo tempo, Giovanni sonha o seu próximo projeto, uma história de amor repleta de canções italianas.
Neste ponto, Moretti recusa embarcar numa simples lista de idiossincrasias e queixumes saturados de nostalgia. Injeta uma nova trajetória no argumento acentuada por trechos onde continua a apontar os podres modernos e muda-lhe o curso.
Por fim, "O Sol do Futuro" ganha vigor e sentido na sua decisão de reescrever a história, onde um desfecho "herético" cumpre a velha máxima socialista no título do filme e encara o futuro com esperança.
A esperança não está na moda? E isso que interessa a Moretti?
2023 | Comédia | 96 min
Com Nanni Moretti, Margherita Buy, Silvio Orlando
Realização Nanni Moretti
Class. etária M/12
Estreia em Portugal 28 Set. 2023
Distribuidor Midas Filmes