Cartaz de cinema

A "desconhecida" Binka Jeliaskova, em glorioso 35mm

Publicado em 30 Apr. 2025 às 14:54, por Samuel Andrade, em Opinião, Notícias de cinema (Temas: Síndrome do Vinagre, Cinema Europeu, Ciclos de cinema)

A "desconhecida" Binka Jeliaskova, em glorioso 35mm

A retrospetiva dedicada à primeira cineasta búlgara, pelo Indielisboa e exibida na Cinemateca Portuguesa, é oportunidade única.

O registo histórico conserva o nome de Binka Jeliaskova enquanto pioneira do cinema búlgaro e a primeira mulher a realizar uma longa-metragem no seu país, com uma obra escassa, mas desafiadora do sistema sócio-político da Bulgária sua contemporânea, de natural cariz feminista, e, do ponto de vista formal, caminhando entre o minimalismo neorrealista e a metáfora poética.

O cinema de Jeliaskova, fruto da doutrina repressora então no poder na Bulgária, e apesar de alguma presença em festivais internacionais nos anos 60 e 70, só conheceu merecedor destaque e atenção crítica ao longo da última década. Tessalónica, La Rochelle, ou Bolonha, foram alguns dos eventos que destacaram filmes seus, e, até ao presente, apenas se conta uma retrospetiva integral.

Mas, para se assimilar estas definições do cinema de Binka Jeliaskova, impera mesmo que vejamos os seus filmes – e nas melhores circunstâncias de exibição.

Essa possibilidade acontece, de 2 a 10 de maio, durante a 22.ª edição do IndieLisboa. A retrospetiva que o festival organiza, em parceria com a Cinemateca Portuguesa (onde os filmes serão projetados), é uma oportunidade única: não só por ser apenas a segunda mostra integral da cineasta realizada fora da Bulgária, como também pela possibilidade de dar a conhecer a obra de Jeliaskova em suporte analógico.

Tão importante quanto dissertações em torno de contextos históricos, consensos críticos e fruição cinéfila de uma filmografia pouco divulgada, ver esses títulos na mesma matéria fílmica em que foram produzidos confere particular qualidade a essa experiência. E que qualidade! Durante o festival, e com a exceção do telefilme "Noshtem po pokrivite / Pelos Telhados, À Noite" (apresentado em cópia digital), todas as sessões que compõem a retrospetiva serão em película de 35mm; uma "cápsula do tempo", na sala de cinema, potenciada por projetores analógicos.

Por outro lado, a estética formal, ou o aspeto original, desses títulos está preservada na emulsão das cópias (cedidas pelo Bulgarian National Film Archive) a exibir. No seu safety film de acetato, nas variantes fabricadas pela Kodak e a Orwo, é expetável observar as características marcas analógicas do tempo – riscos, picotado, o ocasional vislumbre de degradação cromática... – do próprio suporte.

Esses "defeitos", indissociáveis da experiência cinéfila ao longo de mais de um século, são História do Cinema: registos de épocas de produção, de métodos quase em desuso de mostrar cinema, do acto particular de ver um filme.

As capturas de fotogramas que ilustram este texto, retirados de algumas das próprias cópias a exibir durante a retrospetiva de Binka Jeliaskova, não revelam o seu verdadeiro fulgor quando expostas à luz do projetor: para o aproveitamento do glorioso filme em 35mm, só mesmo indo à sala de cinema.

Vão à confiança, sei do que estou a falar.

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Retrospetiva Binka Jeliaskova 1/5: Nani-na (1982)

Programa da retrospetiva

(Mais informações e horários das sessões no site do IndieLisboa)

A Vida Passa Calmamente…

Ano: 1957

Realizadores: Hristo Ganev, Binka Jeliaskova

Duração: 104 minutos

Esta primeira longa-metragem de Binka Jeliaskova é realizada em conjunto com o marido, argumentista de muitas das suas obras, e foca-se num grupo de jovens revolucionários que assistem à morte de um camarada às mãos do exército nazi. Anos depois, num país agora devastado pelo desemprego e pobreza, um dos sobreviventes, membro do Parlamento, decide erguer uma estátua ao amigo caído em combate. Quando se vê rodeado de críticos, inicia uma purga. Um filme, banido durante 33 anos pelo Partido Comunista Búlgaro, que antecipou os filmes de protesto polacos, a Nova Vaga Checa e inaugurou a exposição do totalitarismo estatal que marcou a falência do comunismo no Bloco de Leste.

Éramos Jovens

Ano: 1961

Realizadora: Binka Jeliaskova

Duração: 110 minutos

Binka Jeliaskova estreia-se na realização a solo com esta história de amor numa Bulgária sob o jugo nazi, inspirada na experiência na resistência partisan da autora, aqui espelhada na convivência com a luta armada em contraste com o desabrochar de um amor. Vencedor do prémio principal do Festival de Moscovo, foi um sucesso comercial na Bulgária. Filme de abertura da série documental Women Make Film, de Mark Cousins, é considerada a primeira longa-metragem de ficção búlgara realizada por uma mulher.

O Balão Cativo

Ano: 1967

Realizadora: Binka Jeliaskova

Duração: 98 minutos

Uma alegoria política com uma imagética singular: um balão-barragem flutua pelo interior rural da Bulgária sobrevoando aldeia após aldeia. Os camponeses que o observam ou perseguem tecem considerações sobre a proveniência de um objeto tão possante, solto de qualquer amarra à superfície. Mas o balão-barragem tece também considerações do seu ponto de vista, que vê a humanidade como pequena e ignorante. O Partido Comunista Búlgaro viu a alegoria como ataque ao estado, banindo o filme.

A Sua Última Palavra

Ano: 1973

Realizadora: Binka Jeliaskova

Duração: 118 minutos

A Sua Última Palavra (Poslednata Duma) é um filme não-linear que mistura o passado e o presente de um grupo de seis mulheres que são condenadas à morte pela sua luta política antifascista. Um dos únicos filmes de Binka Jeliaskova a estrear em Portugal no verão de 1975 depois de uma passagem pela Competição Oficial de Cannes, foi também o mais reconhecido internacionalmente.

A Piscina

Ano: 1977

Realizadora: Binka Jeliaskova

Duração: 148 minutos

Binka Jeliaskova realiza o filme que marca o início da sua Trilogia do Silêncio composto por: A Piscina (Baseynat), O Grande Banho Noturno (Golyamoto Noshtno Kapane) e Pelos Telhados, À Noite (Noshtem Po Pokrivite). A Piscina retrata um triângulo, dos que brincam com noções de amor, desejo, amizade e performance. Os protagonistas são um viúvo solitário, Apostol, que descobre Bella, uma adolescente desiludida com o primeiro amor, na noite da sua graduação. O balanço harmonioso é quebrado pelo ator, Boyan.

O Grande Banho Noturno

Ano: 1980

Realizadora: Binka Jeliaskova

Duração: 144 minutos

O banho titular ocorre na costa búlgara do Mar Negro e quem o dá é um grupo de amigos idiossincrático que se junta nas férias do verão para uma celebração estival que se tornou tradição. Mas como todas as tradições, a sua constante observação tornou-a numa aborrecida obrigação. Para lidar com o descontentamento nada melhor do testar a linha da vida e da morte. Uma receita para o trágico e o onírico. O segundo capítulo da Trilogia do Silêncio.

Canção de Embalar

Ano: 1982

Realizadora: Binka Jeliaskova

Duração: 59 minutos

Um filme que retorna ao universo de A Sua Última Palavra (Poslednata Duma), onde Binka Jeliaskova explorou as circunstâncias de um grupo de mulheres condenadas à morte pela sua luta política antifascista durante a Segunda Grande Guerra. Em Canção de Embalar (Nani-Na), conhecemos crianças que, por as mães estarem encarceradas, nascem e crescem na penitenciária. As suas vidas e os seus destinos são, para sempre, marcados pela temida figura da prisão.

Cara e Coroa

Ano: 1982

Realizadora: Binka Jeliaskova

Duração: 129 minutos

Neste filme, Binka Jeliaskova regressa ao universo de A Sua Última Palavra (Poslednata Duma) para um olhar incisivo sobre o sistema prisional, agora num período já afastado da Segunda Guerra Mundial, em plena Guerra Fria, filmado antes da queda do regime soviético. Em Cara e Coroa (Lice I Opuko), a pobreza é o mote para histórias onde é necessário roubar para sobreviver, onde a violência é doméstica e onde os próprios filhos podem ser um produto comercializável.

Pelos Telhados, à Noite

Ano: 1988

Realizadora: Binka Jeliaskova

Duração: 150 minutos

O capítulo final da Trilogia do Silêncio de Binka Jeliaskova é também o seu último filme, que foi também a sua única incursão pelo meio televisivo, sendo originalmente dividido em dois episódios. A trama gira em torno de duas raparigas muito diferentes, unidas por terem o mesmo nome: Nadezhda (em português, Esperança). Mas apesar dos temperamentos e objetivos distintos, a pouco e pouco, as suas dissemelhanças esfumam-se e os seus papéis trocam-se.

(Informações e sinopses dos filmes, IndieLisboa)