Publicado em 6 Fev. 2019 às 12:32, por Samuel Andrade, em Notícias de cinema (Temas: Estreias)
Com a chegada às salas portuguesas de "A Favorita", o novo filme de Yorgos Lanthimos, que soma dez nomeações para os Oscars (incluindo as de Melhor Filme e Melhor Realizador), o filmSPOT retoma a habitual sugestão de títulos que, de forma temática ou estética, comunicam com uma das principais estreias desta semana.
A propósito de "A Favorita", comédia dramática situada no Século XVIII, em plena corte da Rainha Ana da Grã-Bretanha (Olivia Colman) e centrada na disputa entre Sarah (Rachel Weisz) e Abigail (Emma Stone) pela simpatia afetiva e política da monarca, resgatamos cinco títulos onde abundam a exuberância de guarda-roupa e maquilhagem, a decadência das monarquias absolutistas, alguma música barroca, episódios de soberanos afligidos pela doença, ou o poder feminino numa época dominada maioritariamente por homens.
Na exposição documental de interpretações de obras musicais de Johann Sebastian Bach, entrecruzada com os excertos de um diário fictício assinado pela segunda mulher do compositor, Anna Magdalena Bach, encontramos a associação com um dos aspetos mais evidentes de "A Favorita": a sua banda sonora. Inteiramente composta por peças do período Barroco, numa compilação saída do repertório de autores como o próprio Bach, George Frideric Handel, Henry Purcell, Franz Schubert ou Antonio Vivaldi, a música clássica foi escolhida em função não só do ambiente cómico-dramático do filme, como também consegue pautar as emoções de cada uma das suas personagens principais.
Considerado como exemplo maior do perfecionismo técnico de Stanley Kubrick, "Barry Lyndon" não foi uma influência declarada para Yorgos Lanthimos. No entanto, é impossível não pensar neste filme quando assistimos, sobretudo, a diversas sequências de "A Favorita" filmadas à luz das velas, que parecem saídas da própria realidade do Século XVIII e, consequentemente, da atmosfera visual que Kubrick, há mais de 40 anos, alcançou com determinados "truques de génio" (chegou mesmo a recorrer a objetivas utilizadas pela NASA em missões espaciais). O resultado final de "A Favorita" é ainda mais impressionante se pensarmos que Lanthimos opta – tal como aconteceu em "Barry Lyndon" – por filmar em película, em detrimento de câmaras digitais que são, atualmente, eleitas para a rodagem de sequências noturnas, ou com fraca iluminação.
Do ponto de vista formal, "A Favorita" distingue-se pelo rigor dos seus enquadramentos e movimentos de câmara, numa produção que utiliza lentes grande-angulares (que ampliam o tema ou indivíduo filmados) e objetivas olho de peixe (que distorcem a imagem final) para, simultaneamente, destacar as personagens nos cenários sumptuosos do palácio real e criar uma atmosfera quase surreal em torno da ação do filme. Estas opções estéticas invocam, em certa medida, o formalismo do realizador britânico Peter Greenaway em "O Contrato", onde a história do mistério de um homicídio, nos princípios do Século XVIII, é narrada em paralelo com o esquema geométrico de planos de câmara baseados nos quadros do pintor-protagonista do filme.
Intrigas palacianas, jogos de poder, protagonistas femininas dotadas de sedutora corrupção: eis três "condimentos" que poderemos considerar como as principais influências de "Ligações Perigosas" no novo trabalho de Yorgos Lanthimos. Baseado no romance publicado por Choderlos de Laclos em 1782, a narrativa deste conto imoral, sobre a decadência da nobreza europeia do Século XVIII, é controlada pelas maléficas intenções da Marquesa de Merteuil (encarnada, no filme de Stephen Frears, por Glenn Close), numa interessante semelhança com os retratos de sedução e luta por estatuto e poder de Rachel Weisz e Emma Stone em "A Favorita".
A representação das doenças que a Rainha Ana da Grã-Bretanha sentiu, durante grande parte do seu reinado, constitui-se como um dos aspetos narrativos mais presentes em "A Favorita" – e pelo qual a atriz Olivia Colman tem obtido considerável apreciação crítica. Nesse âmbito, o Cinema tem sido terreno fértil para a produção de títulos biográficos que relevam as enfermidades de determinados monarcas europeus; são exemplo disso "Ludwig" (1973, de Luchino Visconti), ou "A Loucura do Rei George" (1994, de Nicholas Hytner). No entanto, "A Morte de Luís XIV", sobre os últimos dias do Rei Sol, e encarnado com particular ambiguidade pelo veterano Jean-Pierre Léaud, conhece paralelo com a interpretação, ao mesmo tempo ponderada e excêntrica, de Olivia Colman enquanto Rainha atormentada por doenças físicas e pela depressão.