Publicado em 17 Ago. 2020 às 12:22, por Samuel Andrade, em Notícias de cinema (Temas: Festivais de cinema)
Deslocado de abril e maio para o final do verão, o festival de cinema independente de Lisboa aposta na presença de público nas salas habituais.
De 25 de agosto a 5 de setembro, o IndieLisboa apresenta a 17.ª edição, num ano marcado pela necessidade de novas datas (originalmente, o Festival iria decorrer de 30 de abril a 9 de maio) devido à pandemia de Covid-19, por uma imagem gráfica renovada e a aposta na realização presencial do certame nos locais habituais (Cinema São Jorge, Culturgest, Cinema Ideal e Cinemateca Portuguesa).
Para 2020, o IndieLisboa dedica uma retrospetiva da obra do realizador senegalês Ousmane Sembène, fará a homenagem aos 50 anos da secção Fórum do Festival de Berlim e o trabalho da realizadora franco-senegalesa Mati Diop será o foco principal da secção Silvestre.
Como habitualmente, o filmSPOT apresenta uma seleção de 20 filmes a não perder, os quais, mais do que simples recomendações, podem servir de ponto de partida ao conhecimento da extensa e variada programação do IndieLisboa 2020.
A primeira longa-metragem de Monia Chokri (atriz habitual dos filmes de Xavier Dolan e de quem, em 2014, o IndieLisboa mostrou a curta "Quelqu"un d"extraordinaire") tem por tema a passagem à idade adulta de uma jovem mulher. Neste caso, Sophia (Anne-Élisabeth Bossé), recém-doutorada que, sem perspetivas profissionais, vive (ainda) com o seu irmão mais velho.
Adaptando uma obra do escritor Mário de Carvalho, Júlio Alves ensaia uma comédia agridoce sobre as relações conjugais, as separações e a comunicação. Arnaldo (Pedro Lacerda) e Bárbara (Ana Moreira) pretendem terminar a sua relação. Não sabemos o motivo, apenas que ambos partilham a "paternidade" de uma tartaruga. Quem ficará com a tartaruga? Para onde quererá ela ir? Num jogo do empurra, o animal segue o seu caminho.
A pintora Ana Marchand sempre se sentiu um tanto deslocada na sua família. Donde viria o seu amor pela arte e pela viagem? Em jovem viu um livro de viagens escrito pelo tio, Maurizio Piscicelli, e finalmente compreendeu. A realizadora Catarina Mourão acompanha Ana numa travessia familiar e espiritual. Quem foi Maurizio? Quem é Ana? O rosto de um, o do outro. A reencarnação são as várias vidas que vivemos.
Spira, 18 anos, está de volta ao bairro após anos num centro de detenção juvenil. Os amigos continuam lá, assim como as festas ou os esquemas para ganhar a vida. As retroescavadoras destroem as casas do bairro, Iara, entretanto tornou-se uma mulher e o tráfico é sonho e pesadelo.
Premiada na nova secção Encounters do Festival de Berlim, esta é uma obra que pertence às famílias e aos seus mistérios. Em particular, à família da realizadora na figura de Beatriz, a sua avó, que casou com Henrique, oficial da marinha, aos 21 anos. Ser mãe, imaginar, viver sem liberdade, tudo é metamorfose criativa e emocional nesta primeira longa de Catarina Vasconcelos.
1992 foi um ano importante para Espanha: os Jogos Olímpicos de Barcelona e em Sevilha, a Exposição Universal. Mas a narrativa de um país próspero e moderno teve o seu reverso. Como numa grande obra enciclopédica iluminista, o realizador irá escutar as conversas de um típico bar de Cartagena, dando voz às pessoas – trabalhadores, desempregados, manifestantes – que viveram a chegada da crise económica, o fecho das fábricas e várias revoltas incendiárias.
A primeira longa-metragem de Mamadou Dia (duplamente premiada no Festival de Locarno 2019), rodada na sua cidade natal, Matal no Senegal, é a história de dois irmãos, Tierno e Ousmane, que se zangam por causa do casamento dos seus dois filhos. O primeiro quer casar o seu rapaz com a filha do segundo, a bela Nafi. O que está em causa é o alastrar do fundamentalismo numa pequena comunidade.
O que significa (ainda) acreditar no poder revolucionário do cinema? Quatro amigos juntam-se numa casa de campo para refazer partes de obras icónicas desse poder, como "O Maoísta" (1967) de Jean-Luc Godard. Depois de "Leones", a sua obra de estreia e exibida no IndieLisboa 2013, o estilo elíptico de Jazmín López está de volta. Nunca sabemos de onde vem o som, nem para onde pode partir a câmara. Rui Poças é o diretor de fotografia.
Em 2017, Bruno Dumont realizou "Jeannette, l"enfance de Jeanne d"Arc", um musical baseado numa peça de Charles Péguy. "Jeanne" é a sequela que recupera, do filme anterior, Lise Prudhomme, de apenas 10 anos, para encarnar a heroína. Não estamos aqui no realismo histórico, mas sim na modernização de um mito a partir de uma infância que se renova, de uma condição feminina que se liberta.
As notícias da morte de Josef Stalin, em março de 1953, deixaram a URSS em estado de choque. A partir de imagens de arquivo, a maioria inédita, Loznitza mostra todos os procedimentos desde o anúncio de morte às cerimónias fúnebres. Alternando o preto e branco com a cor (em especial o vermelho associado ao regime), mas também os rostos tristes, as lágrimas, as pessoas de luto, tudo torna evidente o culto em torno da personalidade do líder soviético.
Caetano Gotardo e Marco Dutra, cujos "Seus Ossos e Seus Olhos" e "As Boas Maneiras" foram exibidos no IndieLisboa, trazem agora uma história de duas famílias e de assombrações trazidas pelo espectro da escravatura, numa São Paulo da viragem para o século XX.
Nga é um elefante velho e cansado e Sanra o seu fiel guia. A rádio comunica que um violento terramoto deixa a Ásia devastada, matando milhares de pessoas. A partir daqui, o filme inicia uma viagem de três partes em direção a uma compreensão cosmológica do espaço após a calamidade e a consequente extinção de espécies.
Num popular subúrbio de Dakar, os trabalhadores da construção de uma torre futurista, sem receberem ordenado há meses, decidem deixar o país numa viagem por mar em direção a um futuro melhor. Entre eles Souleiman, o amante de Ada, que está prometida a outro homem.
O ponto de partida de "Tipografic majuscul"é a história verídica de uns graffitis que surgiram em 1981, pintados na sede do partido comunista, em Botoșani, com mensagens críticas ao regime de Ceaușescu e toda a investigação subsequente para encontrar e "corrigir" o culpado. Recorrendo a uma peça que o encenador Gianina Cărbunariu fez sobre o caso, mas também a vídeos de arquivo, Radu Jude (premiado pelo IndieLisboa em 2015) problematiza acerca da formatação do indivíduo em tempos ditatoriais.
Foi ainda no Chile que Raúl Ruiz começou a realizar esta história de amor incondicional e fantasmas. Em 1973, o Golpe Militar forçou-o ao exílio deixando inacabada aquela que seria a sua primeira longa-metragem. Anos depois, apareceram as bobinas do que havia sido rodado. Valeria Sarmiento, a sua viúva, com a ajuda de especialistas em leitura de lábios, pôde reconstruir os diálogos e terminar este filme sobre um homem a quem lhe aparece o fantasma da sua viúva.
O cinema iraniano é hoje sinónimo de poesia e humanismo. Mas nem sempre foi assim. Ehsan Khoshbakht, co-director do festival Il Cinema Ritrovato, recorre à sua coleção privada de filmes em VHS e a algumas bobinas que sobreviveram à censura, para nos fazer viajar pelo "filmfarsi" (termo que designa o cinema popular anterior à revolução de 1979, onde reinavam os musicais de puxar a lágrima ou filmes cravejados de sexo, violência e comédia).
Billie Holiday é uma lenda do jazz norte-americano. No final dos anos 60, como preparação para uma biografia que nunca chegou a escrever, a jornalista Lipnack Kuehl gravou mais de 200 horas de entrevistas com outros músicos, mas também familiares, amigos e amantes da cantora. James Erskine acede pela primeira vez a este material para uma abordagem à sua vida que restaura também algumas performances a cores e imagens de arquivo de Holiday.
Desde que Charles Aznavour recebeu uma câmara, em 1948, das mãos de Edith Piaf, que o acto de filmar se tornou parte do seu quotidiano. O cantor mantinha um vídeo diário, no qual registou momentos importantes da sua vida, viagens, concertos, amantes e amigos. Antes de morrer expressou o desejo de com aquele material fazer um filme. Marc di Domenico, ele próprio tendo filmado Aznavour durante 3 anos, concretiza esse desejo, acedendo aqui a esse espólio pessoal.
"Gimme Shelter", que celebra agora cinquenta anos, é não apenas um objeto imprescindível para compreender o que foi o Cinema Direto, como também um dos melhores documentários musicais da história do cinema. Este acompanha as últimas semanas da tournée americana dos The Rolling Stones, em 1969, com especial foco nos trágicos acontecimentos que levaram à morte de um fã às mãos dos Hell"s Angels que faziam a segurança no Altamont Free Concert, o último da digressão.
O realizador Felipe Bragança procura perceber que arte é possível a partir dos fantasmas contraditórios que assombram a identidade brasileira. O filme acompanha Fernando, um falido cineasta brasileiro, e a viagem de aventuras e milagres em busca de suas memórias.
O programa completo e os horários das sessões da 17ª edição do IndieLisboa, incluindo atividades paralelas, debates e do IndieJúnior (secção dedicada aos públicos mais novos), podem ser consultados no site do Festival.